SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pela segunda vez, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso e Edson Fachin se sucedem no comando de um órgão em um momento de alta tensão e marcado por ataques ao Judiciário.
Em 2022, a ameaça era interna. Fachin assumia a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) num momento em que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) mais uma vez subia o tom de contestação às urnas e à Justiça Eleitoral e quando a participação dos militares em comissão do tribunal ganhava contornos preocupantes, alinhada aos interesses do então mandatário.
Passados mais de três anos, o ministro volta a receber o bastão de Barroso nesta segunda-feira (29). Desta vez, porém, para assumir a presidência do Supremo. Se antes o foco de preocupação vinha do próprio presidente da República, que já ameaçava não aceitar o resultado da eleição, agora ela vem de fora.
Fachin assume a corte diante de uma desafiadora e inédita campanha de punições a ministros do STF por parte de uma potência estrangeira.
Além de ter aplicado tarifas de 50% ao Brasil, citando como uma das justificativas o julgamento de Bolsonaro, o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já cancelou vistos da maioria dos magistrados do Supremo e aplicou a Lei Magnitsky sanção destinada a torturadores e violadores de direitos humanos ao ministro Alexandre de Moraes. Na semana passada, a punição foi estendida até mesmo à esposa do magistrado.
Alguns dias após o tarifaço, aplicado em julho, o ministro Barroso publicou uma manifestação no site do tribunal dizendo que cabia ao Executivo a resposta política imediata, mas que, enquanto chefe do Judiciário, cabia a ele fazer uma reconstituição dos fatos.
Segundo o ministro, as sanções eram fundadas “em compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país nos últimos anos”. Além de outras manifestações do presidente da corte negando, por exemplo, que haveria uma caça às bruxas contra Bolsonaro, duas notas institucionais da corte foram publicadas a respeito das punições.
Apesar de ter um perfil mais contido e reservado que a maioria dos seus pares, Fachin não deixou de condenar a postura dos EUA.
“Eu entendo que punir um juiz por decisões que tenha tomado é um péssimo exemplo de interferência indevida. Ainda mais quando isso advém de um país estrangeiro”, afirmou em palestra no mês passado, ao mesmo tempo em que falou também da importância da autocontenção do Judiciário.
Ana Cláudia Santano, que é coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil e acompanhou de perto os desafios da eleição de 2022, representando a sociedade civil no comitê de transparência criado pelo TSE, ressalta que o cenário agora é outro. “É um momento desafiador muito mais complexo justamente porque esses conflitos não são internos, eles são internacionais”, diz ela, apontando a imprevisibilidade de Trump como complicador.
A professora de direito avalia ainda que a situação sobre como responder às sanções traz um dilema. Ela pondera, por exemplo, que é preciso que a corte tenha muito cuidado ao publicar notas sobre as sanções tanto para não adentrar competências da diplomacia brasileira quanto para que não se adiante juízo sobre processos.
Se já é uma incógnita como o tópico Trump se desenrolará e se o pior já passou, ao longo de seu mandato, Fachin deve enfrentar outros momentos desafiadores e turbulentos.
Passado o julgamento do ex-presidente, o bolsonarismo promete seguir com a bandeira anti-STF e a defesa de uma anistia ampla. O resultado da próxima eleição pode aumentar ou diminuir a temperatura do cenário deflagrado. Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, já há mais de uma ação na corte discutindo a constitucionalidade da regra atual sobre impeachment de ministros.
E, apesar de a PEC da Blindagem ter sido enterrada, não deixa de existir o fantasma de que propostas restringindo os poderes do Supremo avancem no Congresso insatisfeito com ações envolvendo emendas parlamentares.
Na avaliação de Ana Laura Pereira Barbosa, professora de direito da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), será positivo se Fachin encampar reformas do processo decisório da corte, para fortalecê-la. “Seria uma forma por meio da qual o tribunal poderia se proteger ainda mais de ataques e reforçar a sua independência, imparcialidade e competência para arbitrar as questões constitucionais”, diz ela.
Além de destacar a personalidade mais discreta de Fachin como aspecto positivo para a construção da imagem da corte como órgão colegiado, Ana Laura acredita que, passado o grosso das ações do 8 de Janeiro e o julgamento de Bolsonaro, o ministro terá maior potencial de ação que Barroso com a pauta da corte.
Em 2022, quando esteve à frente do TSE, em que tinha também função administrativa, Fachin manteve posição firme em meio à tensão gerada por Bolsonaro.
Além de ter acumulado declarações fortes em defesa da Justiça Eleitoral e do pleito, o ministro atuou para melhor estruturar equipe do tribunal que lidava com desinformação eleitoral e para informar e preparar a comunidade internacional quanto ao que se passava no Brasil.
Buscou ainda, diante da escalada de questionamentos das Forças Armadas dando munição à campanha contra as urnas empreendida pelo então presidente, isolar tais ações. Além de ter negado a implementação de sugestões dos militares ou pedidos para reuniões particulares, fora da comissão que tinha sido criada pelo ministro Barroso, Fachin chegou a afirmar, por exemplo, que quem “trata de eleição são forças desarmadas” e que não havia “poder moderador para intervir na Justiça Eleitoral.
“Para remover a Justiça Eleitoral de suas funções terão que antes remover este presidente da sua presidência. Diálogo sim, joelhos dobrados, jamais”, disse em evento à época dos ataques do ex-presidente.