BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A três meses do fim do período de adesão ao Propag, o programa de renegociação da dívida dos estados com a União, parlamentares articulam a aprovação de um novo projeto de lei complementar para prorrogar o prazo de ingresso até 31 de dezembro de 2026.
Até agora, só Goiás conseguiu entrar no programa. Outros estados mantêm interesse na adesão –entre eles Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, alguns dos mais endividados–, mas apontam dificuldades devido à indefinição de aspectos técnicos e também políticos.
A apreciação dos vetos à lei do Propag, sancionada em janeiro, é um ponto crucial para estados como Rio de Janeiro e São Paulo, pois a retomada de artigos barrados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliaria as vantagens financeiras do programa.
Enquanto isso não acontece, o deputado Doutor Luizinho (PP-RJ) apresentou na quarta-feira (24) uma proposta para estender o prazo de adesão ao Propag, que atualmente se encerra em 31 de dezembro de 2025.
“É simples. Como o veto não foi votado, a extensão do prazo de adesão é a forma de dar a oportunidade dos estados aderirem”, disse.
O Propag prevê duas mudanças significativas nos encargos da dívida dos estados com a União. A primeira delas é a possibilidade de reduzir os juros reais de 4% para 0% ao ano, mediante entrega de ativos ou compromisso com investimentos em áreas específicas.
A segunda é a simplificação do coeficiente de atualização monetária da dívida, que hoje segue uma fórmula complexa e resulta em uma correção ao redor de 6,5% ao ano, acima da inflação. O texto substitui essa variável pelo IPCA, que deve ficar em 4,83% em 2025, segundo o Boletim Focus, do Banco Central.
Ao sancionar a lei, Lula vetou um artigo que autorizava o uso de valores a receber do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional) para abater até 20% da dívida do estado com a União. O fundo foi criado na reforma tributária para incentivar a atividade produtiva em regiões menos desenvolvidas e receberá repasses bilionários do governo federal a partir de 2029.
O uso do FNDR facilitaria o acesso dos estados ao desconto máximo nos juros da dívida, mas o governo federal vetou o dispositivo por considerá-lo inconstitucional.
A decisão frustrou os planos de São Paulo, que tem a maior dívida com a União e pretendia usar o fundo para acessar o programa e obter um alívio de caixa bilionário. Além de abater até 20% do saldo devedor, o estado passaria a pagar juro zero e conseguiria minimizar o valor de aporte em outro fundo, cujo objetivo é redistribuir recursos para estados menos endividados e que seriam pouco contemplados pelo Propag.
Segundo estimativas do próprio Tesouro Nacional, o serviço da dívida paulista poderia cair até R$ 13 bilhões em 2026 com o desconto máximo previsto no programa. O alívio anual seria crescente, chegando a R$ 25 bilhões em 2046.
Sem o FNDR, a adesão de São Paulo seria menos vantajosa, pois a necessidade de aporte no fundo compartilhado com os demais estados ficaria maior. Segundo relatos, interlocutores do governo paulista fizeram contatos com o Tesouro Nacional, mas a decisão final ainda é uma incógnita. Procurada, a Secretaria de Fazenda de São Paulo não respondeu aos pedidos de entrevista.
O Rio de Janeiro também é um dos principais interessados no uso do FNDR, pois não tem ativos próprios suficientes para alcançar o desconto máximo do programa.
A derrubada do veto depende de votação em sessão conjunta do Congresso Nacional. No início da próxima semana, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), deve jantar com o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), na tentativa de chegar a um acordo sobre a data para a apreciação do tema.
Castro também já se reuniu com o ministro-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias. Segundo relatos, Messias sinalizou que, se o veto do FNDR for derrubado, a União deve recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar o uso do fundo para abater dívidas.
A adesão do Rio ao Propag é uma questão sensível e teria impacto imediato no caixa do estado. Hoje, o governo fluminense já está em outro programa de socorro, o RRF (Regime de Recuperação Fiscal), e se ampara em uma liminar concedida pelo ministro do STF Dias Toffoli para pagar à União uma prestação inferior ao valor que deveria ser repassado. Essa salvaguarda, porém, só vale até o fim deste ano. Sem definição sobre o Propag, há risco de aumento brusco do serviço da dívida em 2026, ano eleitoral.
A reportagem tentou contatar o governador e a Secretaria de Fazenda do Rio, mas não obteve resposta.
Para além dos impasses políticos, há também entraves técnicos. O secretário de Fazenda de Minas Gerais, Luiz Claudio Fernandes, disse à reportagem que ainda há pontos pendentes da regulamentação que atrapalham a discussão do plano do estado.
O governo mineiro pretende abater 20% do saldo devedor, o que equivale a cerca de R$ 36 bilhões. No entanto, ainda não há definição sobre detalhes importantes, como qual será a taxa de desconto usada no cálculo do valor presente desses ativos.
Sem a indicação da taxa de desconto, alguns estados estão levando em consideração nos cálculos apenas a inflação projetada, o que tende a sobrevalorizar os ativos e desfavorecer o governo federal nas negociações.
Segundo Fernandes, o Tesouro Nacional tem feito reuniões regulares com o estado e informou que os trechos restantes da regulamentação já foram encaminhados para a Casa Civil, mas ainda não há previsão de quando o processo será concluído.
O Rio Grande do Sul tem uma situação um pouco mais confortável. Após as enchentes que devastaram regiões do estado em 2024, o Congresso aprovou a suspensão da dívida com a União por um período de três anos. Isso significa que, embora o estado precise avançar com os trâmites dentro do prazo, o ingresso efetivo no Propag só se dará em 2027.
“A gente fez a nossa manifestação de interesse, mas estamos numa condição ficta de adesão”, disse a secretária de Fazenda do Rio Grande do Sul, Pricilla Santana.
Apesar disso, o governo gaúcho também tem interesse na votação dos vetos, pois pretende restabelecer um dispositivo que blinda o estado contra a necessidade de efetuar repasses ao fundo compartilhado com os demais entes. Segundo a secretária, trata-se de uma questão de segurança jurídica.
“Vai ter esse jantar entre o governador Cláudio Castro e o presidente Davi Alcolumbre, para tentar marcar a data do veto. Se por acaso não for possível o agendamento, o Rio Grande do Sul vai começar a trabalhar para prorrogar o prazo [de adesão], fazendo companhia a outros estados, sobretudo Rio de Janeiro”, disse Santana.
Do lado do governo federal, há preocupação com a qualidade dos ativos apresentados pelos estados. O Tesouro tem sinalizado aos governos regionais que não adianta tentar empurrar empresas ou créditos complexos ou problemáticos, pois o abatimento do saldo devedor da dívida depende da concordância da União em receber esses ativos.
Outro foco de atenção no governo é a necessidade de amarrar muito bem as obrigações dos estados com investimentos em áreas como educação. O governo está criando classificações orçamentárias e códigos que permitam ao Tesouro e aos tribunais de contas estaduais rastrear a aplicação dos recursos que iriam para os juros da dívida e foram poupados com a renegociação.