SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sentado pela primeira vez na cadeira de presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso brincou naquele setembro de 2023 que juízes são o único tipo de gente capaz de entoar como, “no aforamento, havendo pluralidade de enfiteutas, elege-se um cabecel”. A piada, feita no discurso de posse, antecipava o que seria um dos principais eixos da gestão: a comunicação.
Barroso deixa a presidência no STF nesta segunda-feira (29) com um legado de mudança na forma como o Supremo dialoga como o público, em especial no ambiente digital, onde o tribunal costuma ser alvo de ataques. Desde quando a gestão tomou posse, o STF passou a adotar um modelo mais ativo e descontraído nas redes. A transformação pode ser identificada pela linha editorial e pela identidade visual.
Os perfis continuam a entregar conteúdo sobre a corte, as decisões e a Constituição, mas também por meio de videocasts, quizes em aplicativos de mensagem e parcerias com criadores de conteúdo. O objetivo declarado é aproximar a corte de segmentos que, em condições normais, não teriam acesso a essas informações.
“Quando os algoritmos tendem a distribuir os conteúdos das redes sociais oficiais do Supremo para públicos mais ligados ao universo jurídico, por exemplo, as parcerias se tornam essenciais para furar essa bolha e alcançar muitas outras, atraindo novos públicos e difundindo informações essenciais para a sociedade”, disse o tribunal à reportagem.
As ações são conduzidas pelo núcleo de mídias sociais da secretaria de comunicação do STF. A equipe é composta por uma coordenadora, uma gerente de conteúdo, três designers, três conteudistas, dois videomakers, duas editoras e duas estagiárias. Segundo o tribunal, não existem contratos externos com agências de publicidade nem orçamento adicional específico para esse tipo de iniciativa.
Essa abordagem já rendeu polêmicas. O STF fechou uma parceria com o Porta dos Fundos que dividiu opiniões, lançou um pacote de figurinhas do WhatsApp para democracilovers em meio à expectativa para o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e usou o perfil oficial da corte no X (ex-Twitter) só para rebater uma afirmação de influenciador sobre o escritório do filho do ministro Luiz Fux.
Para João Ricardo Matta, professor da FGV, a presença nas redes expõe a corte além do necessário. “O STF não tem que entrar nesse palco porque não cabe, porque não é essa função. Ela é a Corte Suprema. Perdeu-se um pouco a percepção do papel real da comunicação”, diz. “Colocam-se numa berlinda onde não tinham que estar, colocam-se num palco para apanhar onde não deveriam apanhar.”
Já Marcelo Vitorino, professor de marketing político da ESPM, considera acertada a tentativa de ocupar espaços digitais para alcançar públicos que não acompanham a cobertura tradicional. Segundo ele, a estratégia pode não convencer setores ideologicamente contrários à corte, mas dialoga com quem não está nos extremos. “Na verdade, acho que até o Congresso deveria fazer a mesma coisa”, afirma.
As iniciativas ocorrem em um contexto de rejeição. Pesquisa Datafolha de julho apontou que a reprovação ao desempenho dos ministros subiu oito pontos percentuais e chegou a 36%, superando o índice de aprovação, de 29%. Outra pesquisa, de junho, revelou que mais da metade dos brasileiros, 58%, diz ter vergonha dos magistrados.
O tribunal, no entanto, há muito flerta com diferentes graus de exposição pública. Desde a criação da TV Justiça, em 2002, quando o STF transmitiu pela primeira vez uma sessão de julgamento ao vivo, falas públicas, participações em eventos e votos performáticos projetam o STF para além do estritamente judicial.
O movimento também se insere em um momento de críticas persistentes ao tribunal. O STF é acusado de fazer ativismo judicial, extrapolar funções e interferir em decisões do Executivo e do Legislativo. O desgaste foi potencializado no governo Bolsonaro e se prolonga até agora, com ministros tendo se tornado alvos frequentes de ataques nas redes e em manifestações de rua.
A nova roupagem comunicacional faz parte de um projeto mais amplo de Barroso de democratizar pela linguagem. Também integra o eixo o lançamento, em 2023, do Pacto Nacional pela Linguagem Simples, que busca adotar termos diretos, acessíveis e compreensíveis nas decisões judiciais e na comunicação com a sociedade.
Não há previsão de novos formatos digitais até o fim de 2025, mas o sucessor de Barroso na presidência, Edson Fachin, que inspirou o neologismo “fachinês”, pelo uso frequente de termos técnicos e linguagem densa em votos, já enfatizou em discursos a necessidade de uma comunicação “ética, nítida e acessível”. É um possível sinal de que a pauta pode ser levada adiante apesar da troca de comando.