BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Um dos países mais pobres da Europa, Moldova realiza neste domingo (28) uma eleição parlamentar conturbada por oligarcas, decisões judiciais, avalanches de desinformação e até o envolvimento da Igreja Ortodoxa. Uma confusão patrocinada em grande parte pela Rússia, segundo denúncias do governo, de entidades de direitos civis e da União Europeia.

Negada pelo Kremlin, a interferência é descrita como uma tentativa de impedir a adesão da pequena nação espremida entre Romênia e Ucrânia ao bloco econômico europeu. “Enfrentamos uma guerra híbrida ilimitada, em escala nunca vista desde a invasão da Ucrânia”, declarou a presidente Maia Sandu, no começo do mês, em discurso no Parlamento Europeu em Estrasburgo.

Sandu pedia ajuda aos europeus após ter sido abandonada pelos americanos. Sobrevivente de duas ofensivas russas no ano passado, a primeira contra sua própria reeleição e outra contra um plebiscito pró-adesão à UE, ela não poderá contar desta vez com apoio dos EUA, que financiavam via Usaid a limitada estrutura de segurança cibernética do país.

A Usaid, agência americana de ajuda humanitária e relações exteriores, é uma das tantas baixas do segundo governo Donald Trump. De acordo com o site Politico, o corte na ajuda internacional deixou Moldova à mercê de ataques híbridos russos, que vão de desinformação propagada por influenciadores contratados a esquemas banais de simples compra de votos.

Em agosto, o Parlamento foi hackeado, e mais de 300 mil emails de políticos da Casa foram expostos. A Microsoft declarou que grupos ligados ao Kremlin se dedicam a influenciar a campanha eleitoral pelo menos desde abril, com antecedência não constatada em outros pleitos. No último fim de semana, o Google anunciou ter derrubado mais de mil canais envolvidos “em uma operação coordenada visando interferir na Moldova”.

O “arsenal completo” de Moscou, na descrição que Sandu fez aos deputados europeus, incluiria também milhões de euros para influenciar o resultado das eleições. Entre outras empreitadas, o dinheiro financiaria a viagem de habitantes da Transnístria, região separatista pró-Rússia na fronteira da Ucrânia, para votar na Moldova.

Outro uso peculiar dos recursos foi revelado em reportagem da agência Reuters. Padres da Igreja Ortodoxa ganharam uma excursão para Moscou no ano passado com direito a vouchers e cartões de débito. Na volta à Moldova, novos recursos seriam transferidos para os cartões por um banco estatal russo para que os clérigos alertassem a população sobre “os perigos da integração do país à Europa ocidental”.

Ex-república soviética, a Moldova é independente desde 1991, mas sua Igreja se submete ao Patriarca de Moscou. É apenas um dos muitos aspectos que entrelaçam a história dos dois países desde o século 19, quando o território moldavo fazia parte do Império Russo.

Nos últimos dias, a ofensiva religiosa prévia foi complementada por ondas de desinformação com conteúdo anti-LGBTQIA+. Avalanches de mensagens ligavam o governista PAS (Partido Ação e Solidariedade) a uma suposta ideologia gay que seria imposta a crianças em um país bastante religioso.

O apelo conservador é plataforma do Bloco Patriótico, abertamente pró-Rússia. Um dos líderes do grupo, o ex-presidente Igor Dodon, do Partido Socialista, é autor de um projeto de lei anti-LGBTQIA+ inspirado em legislações russa e húngara.

“As pessoas são intoxicadas diariamente com mentiras. Centenas de indivíduos são pagos para provocar desordem, violência e espalhar o medo”, disse Sandu na última semana, dias antes de as autoridades da Moldova prenderem 74 pessoas suspeitas de planejar protestos violentos para desestabilizar o país.

Um dos detidos seria o responsável pelo financiamento da operação, bancada por criptomoedas de origem russa. Maria Zakharova, porta-voz do Kremlin, classificou as acusações como “ataques russofóbicos que não são compreendidos nem apoiados pela população da Moldova”.

Em outra reação institucional, a Justiça do país suspendeu as atividades dos partidos Coração da Moldova e Moldova Maior, que fazem parte do Bloco Patriótico. Irina Vlah, uma das líderes afastadas, classificou a medida como uma “manobra política flagrante”.

Para completar o cenário, na quinta-feira (25), Vladimir Plahotniuc, oligarca local acusado de uma fraude bancária de € 847 milhões (R$ 5,24 bilhões) e foragido desde 2019, desembarcou algemado na capital Chisinau após ser deportado pela Grécia. Ele havia sido preso em julho pela Interpol quando tentava embarcar para Dubai.

Plahotniuc, assim como o também oligarca Ilan Shor, asilado desde o ano passado na Rússia, seriam os grandes financiadores do Bloco Patriótico junto com a gestão de Vladimir Putin. Segundo as últimas pesquisas eleitorais, anteriores às suspensões das siglas, a maioria que o governista PAS detém no Parlamento desde 2021 está sob risco.

As eleições vão “definir o futuro do país não apenas para os próximos quatro anos, mas para muitos e muitos anos à frente”, declarou o líder do PAS e atual presidente do Parlamento, Igor Grosu. “As coisas se tornaram muito claras: é paz com a UE ou guerra com a Rússia.”

O ministério da Defesa do Reino Unido afirmou que a campanha de interferência de Moscou é quase uma certeza e que, em caso de vitória do PAS, “o foco da narrativa mudará rapidamente para acusações sobre a integridade das eleições”, com potencial de perturbar a ordem no país.

A Comissão Europeia, por sua vez, diz ter acionado pela primeira vez o Ato de Solidariedade Cibernética, direcionando recursos para que agentes privados trabalhassem pelo fortalecimento da segurança digital da Moldova. O país, candidato à UE desde 2022, planeja alcançar o status de Estado-membro até 2030.

Isso se as urnas e, aparentemente, os russos deixarem.