SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Fundada em 1549 para ser uma cidade-fortaleza e a capital da América Portuguesa, Salvador tinha como coração do núcleo urbano a Praça Municipal, primeira praça dos três Poderes do Brasil que sediava a Câmara de Salvador, o Palácio do Governo e o Tribunal de Relação.
O simbolismo político da praça, contudo, caminha para ser esvaziado. O Palácio Thomé de Souza, sede da prefeitura desde 1986, será desmontado em janeiro de 2026, quando o prefeito Bruno Reis (União Brasil) passa a despachar no Palácio Arquiepiscopal de Salvador, na vizinha Praça da Sé.
A mudança é resultado de uma ação judicial que teve um desfecho após 25 anos. Em 2000, o Ministério Público Federal questionou a presença da sede da prefeitura na região alegando que o edifício destoava do conjunto arquitetônico tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Em nota, a prefeitura informou que as possibilidades de recursos na Justiça foram esgotadas e disse que Palácio da Sé foi escolhido por ser o único local próximo à sede da prefeitura que atende às necessidades do Executivo Municipal.
Com arquitetura moderna, o Palácio Thomé de Souza foi concebido pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, e implantado na gestão do prefeito Mário Kertész, em 1986. Feita com estruturas pré-moldadas, foi construída em apenas 14 dias onde havia um estacionamento conhecido como “Cemitério do Sucupira”.
Inicialmente, a ideia era que fosse uma estrutura provisória, mas o prédio foi mantido pelas gestões seguintes e se incorporou à paisagem urbana. A sua iminente demolição despertou preocupação de especialistas e entidades como a Faculdade de Arquitetura da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
“Ao apelo simbólico do edifício, sobrepõe-se o histórico e o urbanístico, recuperando a configuração da praça cívica onde foi construído o edifício da Prefeitura, somando-se ao prédio da Câmara Municipal e ao Palácio Rio Branco”, diz um manifesto divulgado pela UFBA e outras entidades em novembro de 2024.
O historiador Jaime Nascimento questiona o argumento de que o palácio destoa do seu entorno e lembra que os edifícios históricos daquela região não combinam entre si: “Nenhum é da mesma época ou escola arquitetônica”, afirma.
A Câmara Municipal foi erguida no século 16 e reconfigurada nos séculos seguintes. O Palácio Rio Branco foi reformado após ser atingido por bombardeios em 1912. O Elevador Lacerda, cuja entrada da Cidade Alta também fica na praça, é do final de 1873.
Com a retirada do Palácio Thomé de Souza, o terreno deve virar um vão livre com vista para a baía de Todos-os-Santos. O estacionamento subterrâneo deve compor um novo centro de convenções no subsolo da Praça Municipal.
O palácio idealizado pelo arquiteto Lelé deve ser doado à UFBA, que avalia remontar a estrutura em um dos seus campi para abrigar um museu.
A sede da gestão municipal vai para o Palácio Arquiepiscopal, construção de 1715 que serviu de residência para arcebispos e fica 100 metros adiante da Praça Municipal. O contrato já foi assinado, mas a prefeitura e a Arquidiocese não responderam qual será o valor mensal do aluguel.
O Palácio da Sé, como é mais conhecido, passou por uma ampla reforma na última década, com R$ 18 milhões em recursos federais, e foi reinaugurado em 2018, abrigando o Centro Cultural Dom Sebastião Monteiro da Vide, que conta a história da Igreja Católica no Brasil.
O acervo será transferido para o andar superior da Catedral Basílica do Santíssimo Salvador. Permanece na Sé o monumento em pedra lioz que é o único marco original da fundação de Salvador. Também haverá uma sala dedicada à memória do Palácio da Sé e da antiga Igreja da Sé, demolida em 1933.
Enquanto a prefeitura concretiza a mudança, outros Poderes e órgãos de governo deixaram ou se preparam para deixar a Praça Municipal.
A Câmara Municipal de Salvador, estuda fazer da sua sede um museu e transferir o Poder Legislativo para o antigo Cine Excelsior, também na Praça da Sé. A ideia voltou a ganhar força a partir de fevereiro, quando o atual prédio histórico foi atingido por um incêndio.
O Palácio Rio Branco, que abrigava órgãos do governo estadual, foi concedido em 2022 pelo então governador Rui Costa (PT) para a rede hoteleira Rosewood e vai abrigar um hotel seis estrelas.
O Memorial dos Governadores, inicialmente previsto para permanecer no local, foi deslocado para o subsolo da biblioteca dos Barris.
O grupo que controla a rede Rosewood apresentou uma proposta para concessão da área da Praça Municipal para instalação do centro de convenções e a gestão do Elevador Lacerda. A prefeitura de Salvador negou que vá privatizar os ascensores do Centro Histórico.