SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foram mais de três décadas na cadeia até que Dominique Cristina Scharf, 65, considerada uma das maiores estelionatárias do Brasil, fosse solta. Ela deixou há três meses a penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, para cumprir pena em regime aberto.

Dominique foi beneficiada com progressão de pena em 27 de junho. Na decisão, proferida três dias antes de sua soltura, a Justiça reconheceu que mantinha bom comportamento carcerário “em que pesem os aspectos negativos de sua personalidade ressaltados pela Promotoria”.

Dias antes, o promotor Sílvio Barbagalo havia se manifestado contra o regime aberto. Disse que “a coletividade não pode ser obrigada a aceitar ao seu seio pessoa que ainda não comprovou exaustivamente reunir condições para experimentar situação processual mais branda”.

O argumento não convenceu o Poder Judiciário, para quem Dominique já reunia todas as condições para a progressão de regime.

“Não fosse assim, o sentenciado não teria qualquer incentivo para agir meritoriamente. Acabaria cumprindo toda a pena, tornando letra morta a Lei de Execuções Penais”, diz precedente citado na decisão que autorizou o benefício.

Procurada pela Folha de S.Paulo, a defesa de Dominique Scharf afirmou que não vai se manifestar.

Dominique já cumpria pena em regime semiaberto —podia sair durante o dia a trabalho, mas retornava à cadeia à noite— desde 2020.

Um dos relatórios de avaliação a seu respeito disse que ela apresenta “contato restrito e superficial, tenta amenizar sua culpa sobre os atos cometidos e apresenta planos frágeis para o futuro”.

Registros oficiais apontam que Dominique já colecionava ocorrências policiais, a maioria por estelionato, desde os anos 1980. A primeira prisão que consta do registro de movimentação carcerária é de 1991.

Encaminhada à cadeia pública de Indaiatuba naquele ano, foi colocada em liberdade em janeiro de 1993 na esteira de indulto concedido meses antes pelo então presidente Itamar Franco. Retornaria à prisão um ano depois, em 1994, acusada de extorsão mediante sequestro. Nunca mais sairia

A denúncia da época disse que Dominique e um comparsa mantiveram refém o motorista de um veículo na avenida Indianápolis, na região de Moema, em São Paulo, depois de anunciar o assalto.

Ela confessou o crime em depoimento à polícia, mas depois mudou a versão e afirmou que assinou “papéis previamente preparados” na delegacia. Disse também o comparsa era caseiro de seu sítio e que ela não teve participação no caso.

Em 1999 o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) substituiu a pena por sequestro pela de roubo qualificado. Mas manteve o regime fechado que já vigorava sobre sua prisão na época.

Além de estelionato e roubo, Dominique já foi condenada por tentativa de homicídio duplamente qualificado, furto qualificado e receptação.

A lista inclui também o uso de documento falso –em um dos casos, ela portava documentos que a identificavam como Kelly de Almeida Lima. A fraude foi descoberta por policiais acionados para atender uma ocorrência de furto. O policial que a abordou disse que ela estava num dentro do qual havia produtos furtados.

Antes da soltura, em junho, Dominique cumpria pena no presídio de Tremembé, onde estava desde 2009. Antes, chegou a passar por penitenciárias na capital São Paulo, em Ribeirão Preto, Franco da Rocha, Taubaté e Campinas.

Ela já poderia ter obtido progressão de regime anteriormente, mas acumulava ocorrências que indicavam mau comportamento. A última delas é de 2015, quando se recusou a passar por procedimentos de revista.

Outras faltas disciplinares também foram registradas. Em 2011, por exemplo, Dominique brigou com uma presa em regime semiaberto. Um ano antes, em 2010, adulterou a numeração de camisetas do sistema carcerário dificultando a vigilância.

Ela também já foi penalizada por “atuar de maneira desrespeitosa ao colocar bitucas de cigarro dentro da vasilha das refeições”.

A mais grave das ocorrências veio em 10 de setembro de 2007, quando Dominique fugiu da penitenciária de Ribeirão Preto, onde cumpria pena em regime semiaberto. A fuga ocorreu um mês depois de a Justiça negar pedido de Dominique para obter o benefício da saída temporária no Dia dos Pais.

Quando foi recapturada, dois anos depois, alegou que ter se evadido da cadeia porque “vinha sofrendo fortes ameaças de membros do crime organizado e se sentia oprimida por funcionários da unidade”.

Relatório da Secretaria de Administração Penitenciária rebateu as alegações e disse que “em momento algum ela cita os membros de organização criminosa que a ameaçavam, tampouco as funcionárias que a oprimiam”.

Em maio daquele ano a Justiça reconheceu a falta disciplinar grave e determinou a perda da remição de pena –benefício que permite a um condenado reduzir o tempo de cumprimento da pena através de trabalho ou estudo, por exemplo– até então obtida.

Antes, em 1996, ela já havia tentado fugir da penitenciária feminina da capital, no bairro do Carandiru. Mas não deu certo.