SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para muitos paulistanos, o centro de São Paulo é quase um caso perdido, envolto pelo abandono das autoridades, o lixo, a violência e mergulhado na luta contra o tráfico de drogas. CEO da incorporadora Magik JC, André Czitrom se declara um apaixonado pela região e quer promover o que considera uma reoxigenação do centro, levando moradia de qualidade, a baixo custo e com impacto social.
A Magik JC nasceu do desejo do romeno Joseph Czitrom empreender no país. Fundada no início da década de 1970, a companhia operou por anos em bairros da zona leste, levantando prédios dos segmentos econômicos aos de alto padrão.
Uma das primeiras construtoras a aprovar negócios com a Caixa Econômica Federal através do Minha Casa, Minha Vida, em 2009, a companhia teve seu ponto de virada seis anos depois, quando André resolveu se unir ao pai para focar em empreendimentos nos bairros da região central.
Nesse meio tempo, a incorporadora montou o Soma (Sociedade Organizada de Moradia Acessível), um projeto social que atende mães solteiras, refugiados e moradores de cortiço que estão muito longe do centro e não têm condições de pagar um aluguel na região.
“O centro de São Paulo é como o famoso dia seguinte do churrasco: quando você dá umas três assopradas, põe mais carvão e vem o fogo de novo. É o que a gente entende do centro, porque ele já tem a infraestrutura, já tem o metrô, já tem o museu. O que falta é aquele sopro”, diz Czitrom.
PERGUNTA – Qual sua avaliação do mercado neste momento?
ANDRÉ CZITROM – O mercado imobiliário está muito maduro, no geral. Sempre foi um mercado atrasado. Em tudo tem novidade, tecnologia, etc, mas o mercado imobiliário sempre vem por último porque é tradicionalmente conservador. Os líderes são de gerações antigas, empresas e pessoas de décadas. É pulverizado, mas as grandes empresas concentram muita coisa no mesmo lugar, isso faz ser um mercado um pouco mais fechado.
O mercado econômico vai bem. Tem uma demanda enorme no Brasil inteiro. Estou há 25 anos no mercado e brinco que a minha geração surfou uma onda dos anos 2000 até 2014 sem nenhuma crise. Quando chegou em 2015 a gente sofreu muito porque pegou uma crise que até os mais antigos acharam que foi a maior que teve até hoje. Eu não acho que está assim agora, aprendemos muito naquela crise.
P. – A pandemia ajudou nesse amadurecimento?
AC – O mercado sentiu muito a pandemia. Os índices explodiram, o custo de obra explodiu, o cliente não conseguia arcar com a inflação do custo da construção no apartamento dele e muitas empresas praticamente quebraram ou tiveram que colocar muito dinheiro. A gente tinha uma empresa menor, e até pelo DNA de construção de muitas décadas do meu sócio [Joseph], ele sentia um pouco o cheiro do que poderia vir e nos posicionamos antes. A pandemia forçou o mercado a dar um salto de maturidade, tecnologia, inteligência, eficiência.
Vemos muitas construtoras que operavam no médio padrão migrarem estrategicamente para o alto e altíssimo por ser um segmento que não vive crise. Para quem atua no Minha Casa, Minha Vida é assim?
Sim. Pelas dificuldades de funding e financiamento, o luxo e o econômico são muito parecidos. Apesar de um pouco mais restritivos, os projetos especiais são feitos em dois cenários: ou com crédito do banco, ou é um altíssimo luxo onde você não precisa de capital de banco e faz com capital próprio e de investidores. No Minha Casa, Minha Vida você tem a Caixa Econômica, que apoia esse mercado.
Se você está em uma mesa de bar e perguntar o que vende, a resposta é altíssimo padrão ou Minha Casa, Minha Vida, não tenho a menor dúvida. Para um é uma questão de desejo de produto e encantamento. E para o outro é uma questão de necessidade de moradia.
P. – Como é o processo de encontrar espaços na região central?
AC – Os espaços são reduzidos. Uma empresa grande não compra esse tipo de terreno, porque é pequeno para eles. O nosso negócio é composto de uma estratégia de projetos menores na região central, a gente pretende gerar impacto. Eu não gosto muito da palavra requalificação, porque às vezes ela é usada de uma forma como se o local estivesse péssimo. Prefiro falar em reoxigenação.
Há décadas o centro é bom, ele tem seus altos e baixos. O que a gente brinca é que o centro de São Paulo é como o famoso dia seguinte do churrasco: quando você dá umas três assopradas, põe mais carvão e vem o fogo de novo. É o que a gente entende do centro, porque ele já tem a infraestrutura, já tem o metrô, já tem o museu. O que falta é aquele sopro. E na nossa visão o sopro está por meio de terrenos menores, com uma boa arquitetura, com um bom design, onde você consegue reoxigenar, mas dentro do nosso propósito de oferecer isso de uma forma acessível.
P. – A legislação paulista incentiva o retrofit na região. Vocês pensam em entrar nesse mercado?
AC – Sim. Veio uma legislação, pela primeira vez, muito clara sobre fazer um projeto de retrofit ou modernizar um edifício. E a gente sempre declarou que quem faz os retrofits são verdadeiros heróis, é mais difícil do que um prédio novo, porque você não sabe o que tem lá dentro, nem o que tem lá embaixo.
Temos o desejo de fazer um retrofit pelo Minha Casa, Minha Vida, sabemos que é desejo da Caixa, que já nos convidou para fazer um prédio com as características imprimidas nos nossos empreendimentos.
P. – E o projeto de mudança da sede do governo estadual do Morumbi para o centro, é bom?
AC – É ótimo. A questão é que acaba chamando a atenção de pessoas ou empreendedores que muitas vezes estão mais interessados numa especulação pontual, e eu respeito. Empresários, empresas, negócios, não só imobiliário, que veem uma notícia como essa e falam ‘deixa eu ver o que eu consigo fazer aqui’. E aí, sem conhecer o local e sua história, começam a atuar na região de forma especulativa, que não caminha junto com o objetivo geral, que é deixar aquela região vibrante.
Os proprietários que foram abordados estão com uma referência de preço que não existe. E os outros empreendedores não imobiliários, de comércio, que estão montando seus negócios lá, acabam sofrendo junto. É difícil regular isso, porque o mercado é livre. Esse é um desafio, mas que cheguem [o governo] o quanto antes.
P. – Como está a operação da incorporadora agora?
AC – Nossa empresa faz R$ 200 milhões em vendas por ano. Montamos uma estratégia para os próximos três anos de crescer de forma muito responsável e orgânica, chegando a R$ 380 milhões em vendas. Os sócios e fundadores estão aqui no dia a dia da empresa, são 55 anos, e minha função aqui é levar por mais 55 no mínimo.
Operamos num mercado que precisa de escala, mas somos uma empresa artesanal, cada projeto tem uma cara diferente porque cada rua é diferente. Então, isso requer investimento de tempo e de capital. Se conseguirmos, com essa qualidade, elevar o valor nessas bases, ficaremos felizes. Se não der e ficar em R$ 250 milhões, a gente vai estar feliz também. Com o cuidado de que empresa que não cresce um pouco, morre.
P. – O foco das construções da Magik no centro aconteceu quando?
AC – Em 2015. A gente já estava no segundo ano de uma crise enorme e a empresa começou a sofrer um pouco. Paralelo a isso, eu era muito novo e era sócio numa incorporadora. A minha questão pessoal e profissional amadureceu muito, de buscar entender propósito e tal. Sou engenheiro, mas fui fazer uma pós-graduação em história da arte e estudar impacto social nos Estados Unidos. Voltei completamente diferente, mas só sabia fazer negócio imobiliário. Minha filha estava nascendo e eu precisava achar alguma coisa no setor, que estava uma bagunça. Fui me consultar com o meu pai, meu mentor.
Um pouco influenciado pela questão da história da cidade, da arte, de impacto, vi uma oportunidade pessoal e profissional muito interessante de convidar o Joseph a utilizar a expertise da companhia em fazer essa mesma coisa, porém, numa região de desejo do paulistano, que é o centro, mas com uma arquitetura bacana, com propósito, prédios que a gente possa convidar arquitetos super-renomados, e se divertir também do ponto de vista de resultado e de legado.
P. – Trabalhar com seu pai não estava nos planos, então?
AC – Entrei no mercado com 17 anos, na Gafisa. Mas antes disso eu sempre acompanhava meu pai, porque no fim de semana eu ia com ele no estande de venda, assim como meus filhos vêm hoje comigo. Eu tinha um sonho de trabalhar com ele, mas por outro lado a gente sempre teve maturidade de dizer que, se fosse acontecer um dia, seria de forma natural. Coloquei na minha cabeça que só viria trabalhar com ele quando eu pudesse agregar de alguma forma e a gente montar uma coisa junto. E acabou funcionando porque eu empreendi cedo, com 23 anos montei uma incorporadora com um sócio, que vendi para ser sócio do meu pai.
Eu tinha algo a agregar e ele tinha tudo a agregar, mas com uma estratégia de que talvez aquilo que eu estava buscando, ele já tinha na mão, que é uma empresa que sabe fazer projeto econômico, com um DNA de construção muito forte. A cozinha aqui é muito boa e isso é total responsabilidade do Joseph. Brinco que para mim é fácil ter esse núcleo muito bem formado, porque fica mais fácil você querer melhorar, trazer novidades, trazer inovação. Fazer nascer uma empresa nascer com isso, acho que eu não teria capacidade.
P. – Como funciona o Soma, o projeto de aluguel social de vocês?
AC – No meio dessa nossa jornada dos prédios, percebemos que muitas pessoas que chegavam no nosso estande nunca iriam comprar um apartamento. Ou porque não queriam comprar e queriam alugar, ou porque nunca seriam aprovadas pela Caixa, pela burocracia. Vimos um mercado aí, mas também olhamos o impacto positivo que isso pode gerar. Se são pessoas que nunca vão comprar um apartamento, pensamos em fazer um prédio para aluguel. Levantamos capital na Bolsa, com empresas que toparam participar desse desafio, a Din4mo e a Gaia, junto ao escritório TozziniFreire, que nos ajudou a chegar a uma solução.
Ao invés de morar num cortiço, ou num prédio muito ruim, eles iam morar num prédio com arquitetura de primeira linha, no centro de São Paulo, pagando R$ 1.300.
P. – Qual é o desafio?
AC – É como escalar isso. Precisa de muito funding e com juros altos está difícil, mesmo para o investidor de impacto. Quando você tem um prédio em locação onde você é o dono, você pode ajudar a florescer aquela comunidade. Tem a gestão condominial tradicional, que é administrar condomínio, aluguel, só que agora é diferente, não vou despejar essa pessoa, antes vou entender o que que houve. Se perdeu o emprego, a gente vai tentar realocar ela no emprego. Tem toda uma rede de apoio. Nós selecionamos as pessoas com o auxílio de profissionais que sabem analisar a família.
RAIO-X | André Czitrom, 42
Engenheiro civil formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós graduado em História da Arte pela FAAP, iniciou carreira na Gafisa, montou uma incorporadora própria e encerrou sociedade para trabalhar com o pai, Joseph Czitrom, na Magik JC.