SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com o maior número de lançamentos de imóveis entre diversos distritos dos extremos da zona sul paulistana nos últimos doze meses até julho, o distrito de Cidade Ademar se destaca no mercado imobiliário da cidade mesmo sendo uma espécie de Belíndia, para usar a imagem criada décadas atrás pelo economista Edmar Bacha.

Bacha via um Brasil fraturado, dividido entre uma porção rica, a Bélgica, e outra pobre, a Índia. Não mudou muito, exceto talvez pela Índia.

A Bélgica da Cidade Ademar está no Jardim Prudência, nos limites da avenida Washington Luiz, onde a Diálogo Engenharia, por exemplo, ergue o Bosque Jardim Prudência, que tem unidades com até 189 m² e pequeno bosque privado.

Também está, com alguma boa vontade, na vizinhança do parque Nabuco, rara área verde junto à avenida Cupecê, a grande via do distrito, onde a Plano&Plano lançou o Plano&Parque Nabuco, condomínio com 911 apartamentos de até 34 m² distribuídos por dois edifícios, um deles um espigão de 25 andares, gabarito que se tornou possível com mudanças no zoneamento local. O produto, elegível para financiamento de habitação social, já está inteiramente comercializado.

Renée Silveira, diretora de incorporação da empresa, vê o distrito como “muito promissor” e “em transformação”. Tudo por causa da avenida Cupecê, eixo de transporte com corredor segregado de ônibus intermunicipal e “grande concentração de comércios e serviços”.

Mais um “player” da habitação social, a construtora MRV, levou para o outro lado da avenida o canteiro de obras de seu Parque Holandês, espigão único com 23 andares e 263 apartamentos, produto de proporções modestas para a MRV, já que ela ergue verdadeiros bairros por São Paulo, como o condomínio Sete Sóis, em Pirituba, projetado para abrigar até 11 mil famílias em 180 edifícios.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Sandro Perin, gestor comercial da MRV, destacou a proximidade do aeroporto de Congonhas, possível motivo de atração para investidores. Como é regra, algumas unidades podem ser destinadas a clientes de renda maior àquela elegível para projetos de habitação social.

A vida severina da Cidade Ademar, a Índia da Belíndia do distrito, é considerável. No Mapa da Desigualdade da ONG Rede Nossa São Paulo, Cidade Ademar aparece em 16º entre os 96 distritos paulistanos com maior percentual de domicílios em favelas -o dobro da média geral. As áreas bem mais ao sul da Cupecê, particularmente as que se espalham entre a avenida Yervant Kissajikian e os limites de Pedreira, são as mais problemáticas.

É o caso da Vila Missionária, originalmente um loteamento idealizado e iniciado por padres católicos ligados a uma congregação missionária internacional, o Pime. A ideia era criar uma vila operária, com regramentos estritos de construção, mas o fluxo migratório desvirtuou as coisas. Hoje construções ilegais, predinhos inclusive, dão o tom.

Foi na Vila Missionária que nasceu e cresceu uma jovem liderança política brasileira, a deputada federal Tabata Amaral (PSB). Sua mãe ainda mora no bairro, e, para a parlamentar, a história da região se entrelaça com sua vida política, pois ela viu -e segue a ver– ali o fosso social que é uma das marcas do país que ela quer mudar.

“A Vila Missionária mudou muito. Minha mãe conta que era um grande matagal e que a igreja era o principal ponto de referência. Com muita luta, vieram linhas de ônibus e CEUs. Mas o transporte segue um desafio e a regularização dos imóveis não avançou muito desde a gestão da ex-prefeita Luiza Erundina. Esse vácuo do poder público tem permitido construções irregulares, que, segundo denúncias, podem estar associadas ao crime organizado.”

Candidata a prefeita de São Paulo na eleição do ano passado, ela se debruçou também sobre sua região de origem, e disse ter visto ainda problemas possivelmente alimentados por interesses políticos que desejam manter esse estado de coisas.

Nada muito diferente, talvez, dos tempos de clientelismo explícito da política brasileira, como nas gestões do ex-governador paulista Ademar de Barros, introdutor da práxis política que ficaria conhecida por “rouba, mas faz”.

Se é mesmo ele o Ademar que nomeia o distrito, até que o tributo é consoante.