SÃO PAULO. SP (FOLHAPRESS) – Pegar água da geladeira para escovar os dentes e estocar água para ferver na hora de tomar um banho rápido são tarefas diárias na casa do Evandro Pereira Santos, morador de Cotia, na Grande São Paulo. A situação é um reflexo dos níveis do reservatório do sistema Cantareira, que abastece cerca de 9 milhões de pessoas.

O sistema registrou 29,5% do seu volume total preenchido, o menor para o mês de setembro em dez anos. Além disso, dois reservatórios entraram em escassez hídrica. Nesse contexto, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) ampliou o período de redução de pressão na rede para dez horas, vigorando entre 19h e 5h -antes começava apenas às 21h.

A água que chega aos imóveis passa por um sistema de tubulação pressurizado. O objetivo da redução da pressão na rede de distribuição é reduzir vazamentos. Como o consumo durante o dia é maior, existe muita movimentação da água na rede, que foi dimensionada para essa condição.

“A pressão nessa situação é chamada de dinâmica, pois ocorre com a movimentação da água. Durante a noite, o consumo diminuiu, então a rede irá trabalhar com a pressão estática, que representa um consumo bem baixo”, explica Antonio Carlos Zuffo, professor da Área de Hidrologia e Gestão de Recursos Hídricos da Unicamp.

Segundo o especialista, a pressão estática é bem maior que a dinâmica, o que potencializa os vazamentos da rede. Por isso, a redução à noite poupa água.

No entanto, o que a Sabesp chama de redução de pressão os moradores ouvidos pela Folha chamam de falta de água. “Sei que a represa está com nível baixo, pois chove pouco. Mas deveria diminuir a pressão, como é prometido, e não cortar de vez”, diz Santos.

O vigilante mora com a esposa, que é cozinheira em uma escolha pública da cidade, e as duas filhas. O trabalho da mulher exige que a higiene seja seguida à risca. É preciso tomar banho de manhã, antes de começar a jornada.

“Às vezes eu tenho que falar com as minhas filhas para, quando elas chegarem da escola e irem tomar banho, guardarem um pouco de água para esquentar no balde”, conta Santos.

O banho das meninas ainda pode ser de chuveiro -quando ele não está queimado, pois a alta pressão da água quando o serviço é restabelecido já danificou três, conta-, mas o dos pais é com água fervida no caneco.

O casal sai para trabalhar entre as 3h50 e as 4h30 e, para escovar os dentes, precisam pegar água da geladeira. As roupas só são lavadas no fim de semana, e a máquina também já precisou de conserto.

“Muitas vezes a água tem um gosto de cloro muito forte, ou gosto de barro. Fui obrigado a instalar filtro no cavalete. Melhorou um pouco, mas o gosto de cloro ainda é o mesmo”, diz Santos. “Acho injustiça porque pagamos em dia, sem atraso. Só queremos o mínimo.”

Na casa da programadora Aline Aragão, 34, a redução também significa torneira seca. Ela é moradora da Vila Pierina, na região do São Matheus, zona leste de São Paulo.

Lá, a água costuma voltar com uma hora de atraso com muita pressão, segundo ela. “Meus pais moram perto e já ficaram alguns dias sem água, sem nenhuma justificativa por parte da Sabesp, e quanto voltou estourou a torneira do banheiro”, diz.

O endereço muda e a situação se repete. No Jabaquara, zona sul, o artista Rogério Luis Góes mora a 200 metros da caixa-d’água que abastece o bairro. “Estou abaixo dela. Teoricamente, não poderia ter falta d’água numa redução”, diz. Mas não é o que acontece.

A interrupção também não ocorre no período programado, segundo ele. “Desde a autorização da redução, além de ter falta de água das 19h às 5h, falta constantemente durante o dia também. Dia sim, dia não, tem corte e é praticamente o dia inteiro”, diz Góes. A rotina é de incerteza sobre o horário da volta do serviço e se ele vai, de fato, voltar.

Em resposta às reclamações de moradores, a Sabesp informou que a pressão que retorna aos canos durante a manhã após a redução é a mesma registrada todos os dias. A companhia afirma ter realizado vistorias e manutenções nos endereços: no Jabaquara, houve reparo emergencial na rede, com interrupção pontual no fornecimento de água, restabelecido na tarde de quinta-feira (25).

Em Cotia e na zona leste, a companhia afirma que a pressão está dentro dos padrões. Os clientes foram orientados a readequar instalações internas ou instalar caixa-d’água. Samanta Souza, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Sabesp, afirma que todas as torneiras devem estar ligadas à caixa-d’água -que atua como um amortecedor das variações de pressão da água que vem da rua- como determina a norma brasileira.

A diretora destaca que a redução de pressão é temporária e necessária para preservar os reservatórios e pede para que a população colabore com o uso consciente. “Até segunda-feira a gente economizou o suficiente para abastecer São Bernardo do Campo por um mês”, afirma. A expectativa é de normalização é para meados de outubro.

A Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), que fiscaliza a prestação de serviços da Sabesp e monitora a situação dos reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo, diz não ter recebido denúncias sobre interrupção do serviço fora do período determinado para a GDN (Gestão de Demanda Noturna).