SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Gays, garotos de programa, artistas e criadores de lulu da Pomerânia se uniram em torno de um mesmo objetivo: denunciar Valdemir Oliveira dos Santos Júnior, 34, conhecido como Júnior Pacheco. O grupo afirma que ele aplica golpes variados em São Paulo e já fez o mesmo no Rio de Janeiro.
Relatos de supostas vítimas apontam para episódios de calote, falsidade ideológica, estelionato amoroso e extorsão. As ocorrências têm sido divulgadas numa página e algumas foram levadas à polícia. A SSP (Secretaria da Segurança Pública) paulista informa que o homem é investigado.
Desde a última sexta-feira (19), a Folha de S.Paulo busca contato com o suspeito. As tentativas foram feitas por meio de ligações, encaminhadas à caixa postal, do WhatsApp e do Instagram, plataforma na qual a reportagem foi bloqueada por ele.
DO MINHOCÃO AO CANIL
O nome de Valdemir apareceu em grupos de moradores da Santa Cecília em meados do ano passado, quando um relato sobre ele foi compartilhado.
Um jovem afirmou ter sido abordado pelo investigado enquanto corria no elevado Presidente João Goulart, o Minhocão. Após trocarem mensagens, teriam ido jantar. No restaurante, o suspeito teria comido, bebido e, ao alegar que iria ao banheiro, saído sem pagar. A vítima disse ter sido bloqueada em seguida.
Essa descrição não é isolada. Outros homens dizem ter conhecido o suspeito no mesmo local e sofrido o mesmo tipo de golpe.
Um deles, Vinicius Soares, afirma que o prejuízo chegou a R$ 900. Ele e outros afirmam que Valdemir não atua só no Minhocão, mas também se aproxima de pessoas por aplicativo de relacionamento LGBTQIA+, repetindo o mesmo modus operandi.
Nem só de jantar gratuito viveria Valdemir. Alguns homens relatam tê-lo levado para casa, levado o golpe “Boa noite, Cinderela” e sido roubados.
Também há denúncias de extorsão: pessoas afirmam que, após os furtos, o homem ligava dizendo ter provas de que elas haviam comprado drogas e ameaçava denunciá-las à polícia, exigindo dinheiro para se calar.
Nem sempre, porém, o suspeito precisava ser tão firme para conseguir dinheiro. Algumas vítimas dizem ter sido somente seduzidas e desembolsado milhares de reais deliberadamente antes de descobrirem ter caído num golpe. O pior de tudo, declaram, não foi a grana, mas se sentirem idiotas.
A história do estelionato romântico se espalhou rapidamente pelo bairro e logo apareceram testemunhos de outros tipos de golpe supostamente aplicados por Valdemir no centro de São Paulo. Todos no ano passado.
– Jovens se unem para barrar estelionatário amoroso em série
No Gadeilha’s Cabeleireiros, em Higienópolis, teria fugido sem pagar uma conta de R$ 450. Na floricultura Baronesa, em Santa Cecília, deixado uma conta de R$ 150. Na Cobasi da avenida Angélica, nos Campos Elíseos, saído sem pagar R$ 350. A desculpa era sempre a mesma, problemas no cartão ou erro no Pix. Às vezes, contam testemunhas, ele afirmava ter agendado um pagamento instantâneo, que nunca era concretizado.
A fama correu, e o nome de Valdemir chegou aos garotos de programa da região. Estes começaram a acusar o homem de calotes. Ele contrataria serviços sexuais e, quando finalizados, alegaria problemas no aplicativo do banco e faria promessas nunca cumpridas de quitação no futuro, afirmam.
Numa dessas ocorrências, em maio de 2024, o suspeito teria pegado uma seringa para tentar drogar um garoto de programa ao ser cobrado. Uma queixa foi prestada à polícia.
Os relatos se empilhavam, e artistas plásticos começaram a dizer terem sido enganados. Não apenas na capital, mas também no interior.
Maria Isabel dos Santos, por exemplo, registrou boletim de ocorrência em Itatiba (SP) após negociar três quadros com Valdemir por R$ 15,5 mil. Ela afirma que ele prometeu pagar via Pix, mas não cumpriu. O inquérito foi instaurado em julho do ano passado, os quadros foram recuperados, e o processo, arquivado posteriormente.
Ao menos outros dois artistas relataram às autoridades prejuízo semelhante, tendo sido iniciadas investigações. Em ambos os casos, a prática atribuída ao acusado é a mesma, segundo a polícia: compra simulada, não pagamento e desaparecimento.
Entre as acusações de maior repercussão contra Valdemir, no entanto, estão as de criadores de cães da raça lulu da pomerânia. Segundo eles, o homem se apresentou como comprador, levou filhotes e disse que faria a transferência bancária depois.
Num desses episódios, a veterinária Alessandra Galvão informa ter perdido R$ 4.500. “O dinheiro é o de menos, o que me dói é imaginar onde os cães foram parar.”
Valdemir é visto quase diariamente caminhando com os animais pelo bairro, conforme seus vizinhos.
QUEM É O SUSPEITO
Em suas redes sociais, Valdemir apresenta uma vida luxuosa. Com mais de 90 mil seguidores no Instagram, publica viagens pelo mundo. Já em São Paulo, enfrenta um processo de despejo por inadimplência do aluguel e outro por dívidas com um escritório de advocacia.
Ninguém sabe ao certo sua história de vida, conta sempre uma diferente. Em comum nos relatos ouvidos pela reportagem, é sempre um empresário com muitas posses e contatos famosos, dos quais usaria os nomes para conquistar a simpatia alheia, segundo denúncias.
A apresentadora e ex-modelo Monique Evans e sua esposa, a DJ Cacá Werneck, foram atingidas por isso.
Há muitos anos, o casal conta ter feito um trabalho junto a Valdemir e registrado uma foto ao lado dele. Desde então, o homem usaria a imagem para seus estelionatos. Cacá é criadora de lulus da Pomerânia e conhecida no meio canino. Ela diz que o suspeito aproveitaria disso para aplicar seus golpes em canis.
Quando as artistas descobriram a armação, em dezembro, fizeram um boletim de ocorrência na 14ª delegacia de polícia no Leblon, no Rio. A Polícia Civil do estado fluminense informa que não considerou a denúncia como crime.
Aos interlocutores, Valdemir ainda afirma vir de família abastada, com pais também donos de negócios em sua cidade natal. Ele é de Barreiras, município baiano a 772 km de Salvador.
Seu pai, do qual herdou o nome, realmente possui um estabelecimento: um restaurante fundado há 31 anos, com capital social de R$ 50 mil, mostra uma consulta do CNPJ. Já sua mãe, Kerly, da qual pegou o sobrenome Pacheco para identidade falsa de Júnior, já teve um estabelecimento: uma oficina para manutenção de motos, aberta em 2019 com capital de R$ 5 mil e fechada quatro anos depois.
Na década passada, o suspeito de estelionatos se estabeleceu em São José dos Campos (SP), onde abriu um escritório de design de interiores.
Hoje, o estabelecimento segue, teoricamente, em operação na cidade, mas a proprietária do imóvel afirma que o inquilino nunca aparece por lá. Toda semana, porém, alguma vítima surge para procurá-lo, informa.
No interior, Valdemir já foi tão famoso quanto é hoje em Santa Cecília. Seu trabalho com decoração ganhou prêmios, aparecendo em revistas como Casa Vogue e Casa Cláudia. Durante anos, ele foi acompanhado por colunas sociais e teve seu rosto estampado nos jornais.
Aos repórteres, ele dizia ser associado à Associação Brasileira de Design de Interior, sob o registro 14054, e ter especialização pelo IED (Instituto Europeo di Design), em Milão, na Itália. Associação e instituto não reconhecem as informações.
O investigado também manteve por anos um canal no YouTube, chamado Porta Aberta. Nele, visitava a casa de personalidades e as entrevistava. O último vídeo foi publicado há dois anos, com Nicole Bahls.
O então decorador teria deixado São José rumo a São Paulo após golpes aplicados na região, principalmente envolvendo clientes e fornecedores, que abriram vários chamados contra ele no Reclame Aqui. Ainda é acusado por lojistas de ter feito compras nunca pagas em shoppings da região. Em uma loja de calçados, o prejuízo informado à polícia foi de R$ 6.600.
Por lá, também cultivava o costume de comer em restaurantes e fugir antes de a conta chegar. Num deles, segundo relato, deixou mais de R$ 2.000 em aberto, sozinho.