PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Com uma das trajetórias mais bem-sucedidas no skate brasileiro, o hexacampeão mundial Sandro Dias conquistou nesta quinta-feira (25) um título inédito, e inusitado, para sua carreira.
Aos 50 anos, Dias, conhecido como Mineirinho, quebrou um recorde mundial ao descer 70 metros pela lateral do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), em Porto Alegre.
Em oito segundos e a uma velocidade de 103,8 km/h, o skatista realizou um “drop” no edifício de 21 andares, que abriga a maior parte das secretarias estaduais do Rio Grande do Sul.
Em um momento de apreensão antes da descida, ele repetiu para si mesmo o mantra informal que o acompanhou durante os meses de treino para executar a manobra. “Eu inventei, eu convenci, eu me preparei”, conta à reportagem nesta sexta-feira (26).
O evento foi organizado pela Red Bull em uma parceria com o governo gaúcho, como parte de uma ação publicitária da marca em um dos prédios mais marcantes da arquitetura de Porto Alegre.
Foram seis manobras até chegar na altura de 70 metros. Para retornar à rampa, Sandro subia pelo elevador do prédio e descia de rapel até o novo ponto de partida.
A descida era um sonho antigo de Mineirinho, desde uma visita que fez ao Rio Grande do Sul na década de 80 para participar de uma competição amadora.
Na época, o CAFF era um prédio recém-inaugurado, mas já se destacava como um ícone porto-alegrense por sua fachada inclinada, que lhe rendeu o apelido de ‘rampa de skate’ e inspirou gerações de jovens a sonhar com a descida.
O plano começou a sair do papel há 13 anos, quando Dias desenvolveu um projeto para fazer a descida. Foram cerca de três anos de desenvolvimento com a Red Bull para tirar a ideia do papel, processo que será mostrado em um documentário ainda sem data de lançamento.
A preparação incluiu duas descidas teste no começo do mês, assim como treinos de resistência que incluíram o uso de coletes de 40 kg de peso para testar os efeitos da força-G, causada pela aceleração. Os treinos eram necessários para suportar um peso que poderia chegar a 350 kg contra seu corpo.
Ele também fez testes no asfalto, puxado por motocicletas até atingir 120 km/h, para medir a estabilidade dos eixos e a aerodinâmica naquela velocidade.
Na manhã de quinta-feira, ele chegou ao CAFF após uma noite bem-dormida. “Não consegui ver o jogo do Palmeiras porque eu já estava dormindo já, só fui ver no dia seguinte”, disse.
Mineirinho tinha a companhia e o apoio da esposa e duas irmãs, que vieram para acompanhar o evento. Ele também recebeu o suporte barulhento e festivo de centenas de pessoas que se reuniam na rua ao lado do prédio para assistir ao momento histórico.
Com uma trajetória que inclui uma medalha de ouro no X-Games e a marca de ser o terceiro skatista do mundo a realizar a manobra 900º ao completar dois giros e meio no ar, Mineirinho conta de uma reflexão que surgiu em sua festa de aniversário em abril. “Eu falei ‘meu Deus, eu tenho duas crianças, eu quero viver bastante, eu gosto da minha vida, eu amo viver, mas eu tô com 50 anos já'”, disse. “Parece que vira uma chave na nossa cabeça e fala assim: pô, agora é contagem regressiva.”
A situação também o fez refletir sobre como o mundo -e o esporte- mudaram em seus quase 40 anos de carreira. É uma grande transformação desde a década de 80, quando o então prefeito de São Paulo Jânio Quadros proibiu o skate.
“Eu vim de uma época que o skate não era nem considerado esporte. Era considerado um brinquedo, e as crianças que brincavam com o skate eram vistas como crianças marginais”, disse.
Ele acredita que o X-Games nos anos 2000 foram um propulsor da mudança. A nova virada de chave veio após o skate entrar para a lista de esportes olímpicos e o talento das novas gerações. “As crianças começaram a se espelhar na Rayssa [Leal] pela popularidade dela, e aí o skate começou a ficar muito melhor de uns tempos para cá”, disse.
Ele conta que organiza um acampamento temático de skate desde 2015 e que o interesse aumentou depois das olimpíadas de Tóquio e Paris. “Algumas crianças vão lá e os pais levam. Os pais falam ‘pô, o Sandro Dias! Filho, tira uma foto com ele’. O pai tá querendo tirar foto comigo, não é o filho”, ri Mineirinho.
Hoje, ele diz ainda não saber qual será o próximo desafio, mas não pretende ficar parado. Por enquanto, comemora uma descoberta pessoal que atingiu com a conquista.
“Não sabia que eu, nessa idade, seria tão capaz de me preparar mentalmente para enfrentar uma situação dessa sem medo”, disse.
“Eu sei que eu tenho essa idade, mas eu não me sinto com 50 anos, eu me sinto preparado para qualquer outra coisa, e acho que esse projeto me provou muita coisa, que 50 anos para mim não é nada”.