BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Luís Roberto Barroso encerra sua passagem pela presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) após uma gestão que avançou em julgamentos sobre maconha, internet e o sistema prisional, mas também reforçou antigas características, como os altos rendimentos da magistratura e a proximidade com políticos.
Um dos temas que o ministro deixou de enfrentar é de ordem administrativa: o dos supersalários do Judiciário. Ao contrário, como a Folha de S.Paulo mostrou, a magistratura termina esse ciclo com mais privilégios.
O ministro Edson Fachin assumirá o posto de Barroso na presidência do STF, na próxima segunda-feira (29).
Além de medidas dos órgãos do Poder Judiciário para preservar esses benefícios, Barroso fez desde o início do mandato, em entrevistas e palestras, uma série de manifestações contrárias às críticas aos gastos da Justiça.
Em duas ocasiões, em fevereiro deste ano, ele disse que as críticas são injustas ou motivadas por falta de entendimento e que há “furiosa obsessão negativa” com o Judiciário.
Algumas dessas críticas públicas estão relacionadas à presença dos ministros em eventos organizados ou financiados por empresários com interesses em processos que correm no tribunal o mais notório desses eventos é o chamado Gilmarpallooza, que reúne nomes do PIB, do governo, do Legislativo e do Judiciário em Lisboa. Barroso defendeu essa participação sob o argumento de manter diálogo com todos.
Essas discussões voltaram à pauta após Barroso participar de um jantar beneficente promovido pelo CEO do iFood, Diego Barreto, em maio. Um dos vídeos gravados no local mostra o ministro cantando ao microfone ao lado do empresário.
O evento foi feito para a arrecadação de recursos da iniciativa privada para um programa de ação afirmativa para ingresso na magistratura, criado por ele no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), por meio do qual são oferecidas bolsas a candidatos negros e indígenas.
Em resposta, a corte afirmou que Barroso conversa com todos os segmentos da sociedade. Nos meses finais da gestão, ele fez várias viagens pelo Brasil. Entre elas, esteve em Roraima, sobrevoando áreas de garimpo e conversando com uma comunidade indígena yanomami. Nos dois anos, ele esteve em 20 estados.
No âmbito das decisões da corte, o ministro conseguiu avançar em matérias como o julgamento do Marco Civil da Internet. A análise envolveu questões de regulação de big techs no país. Nela, o Supremo aumentou a responsabilidade das plataformas digitais.
Por 8 votos a 3, os ministros entenderam que a regra atual não protege adequadamente direitos fundamentais e a democracia. Por isso, criou uma lista de conteúdos que devem ser removidos proativamente pelas plataformas, antes de determinação judicial.
Embora houvesse maioria, foi preciso fazer um acordo em torno do texto, já que havia divergências entre os magistrados sobre sua amplitude, o momento e os casos em que as empresas devem ser responsabilizadas.
O colegiado se reuniu em um almoço que teve início antes das 13h e seguiu até as 16h30, quando a sessão foi iniciada.
Barroso também fez uso dessa estratégia na ação conhecida como ADPF das Favelas. Nela, a corte reforçou o poder da Polícia Federal na atuação contra facções criminosas no Rio de Janeiro e determinou que a União garanta o incremento orçamentário à corporação.
Na conclusão do julgamento, Barroso afirmou que o tema exigiu algumas reuniões entre os ministros antes da sessão para chegar a um consenso sobre o texto final. A decisão tem 20 páginas.
O método foi inédito no tribunal. Os magistrados chegaram ao plenário com a conclusão definida para ser lida diante da TV Justiça. É um modelo semelhante ao da Suprema Corte dos Estados Unidos.
Outro momento alinhado com a história e as prioridades do ministro foi o julgamento do porte de maconha. O caso foi concluído em 26 de junho do ano passado e fixou a quantidade de até 40 gramas ou seis plantas fêmeas para diferenciar o usuário do traficante. Essa definição é válida até que o Congresso decida qual é esse limite.
O julgamento começou em 2015, foi suspenso cinco vezes e acirrou os ânimos entre o Supremo e o Congresso.
O Senado voltou a discutir a possibilidade de a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) votar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para criminalizar o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade e da substância. Os parlamentares acusam a corte de invadir as suas atribuições.
Inicialmente, o julgamento debatia a descriminalização do porte de todas as drogas, mas os ministros acabaram restringindo as discussões à maconha.
Em relação ao Congresso, o bloqueio de emendas parlamentares se tornou uma crise entre os Poderes, e Barroso tentou costurar um acordo. Em reunião de 20 de agosto na sede do STF, representantes do Congresso, do governo e ministros do Supremo fecharam um acordo sobre “critérios de transparência, rastreabilidade e correção”.
O tema, no entanto, segue pendente de solução e fica de herança para Fachin. Flávio Dino, relator, finalizou neste mês a instrução dos processos sobre as emendas, o que significa que está próximo o julgamento que pode reduzir os poderes dos congressistas sobre o Orçamento.
Esta é a principal queixa de políticos do centrão contra o Supremo. A indisposição dos parlamentares tem relação com o avanço de mais de 80 investigações sobre desvios de emendas.
Como um dos marcos de sua gestão, Barroso celebrou a homologação, em novembro passado, do acordo de reparação pela tragédia de Mariana (MG). Os termos foram assinados em outubro pelas empresas envolvidas na tragédia, a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e representantes das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão há nove anos.
As empresas Samarco Mineração, Vale e BHP Billiton ficaram responsáveis pelo pagamento de R$ 170 bilhões.
À frente do CNJ, Barroso manifestou sua preocupação com equidade de gênero e raça e criou um exame nacional para modernizar o ingresso de magistrados. Até o momento, a prova selecionou 16 mil juízes e, desses, um terço são pessoas negras, com deficiência ou indígenas.
O presidente também criou um programa de ação afirmativa com o oferecimento de bolsas de estudos para os concursos.
Mas, na pauta de gênero, Barroso frustrou expectativas e o plano feito com a ministra hoje aposentada Rosa Weber e deixou de lado a retomada do julgamento que pede a descriminalização do aborto até as 12 primeiras semanas de gestação.
A posição favorável do ministro no tema é conhecida, mas ele repetiu ao longo desses dois anos que o país não está pronto para tratar da matéria.