SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um trecho retirado do novo livro com autoria de Contardo Calligaris ilustra a metalinguagem que dita sua nova coletânea póstuma. O autor diz que “se lembrar de quem morreu é um jeito de manter o morto em vida”.

Psicanalista e ensaísta italiano radicado no Brasil, ele ocupou por mais de duas décadas um espaço cativo nas páginas desta Folha, onde suas crônicas refletiam com leveza sobre a experiência humana.

Três anos depois de sua morte, chega às livrarias “Aproveitar a Vida e Suas Dores”, livro que reúne mais de 40 dessas colunas, organizadas em três partes temáticas por seu filho, Max.

O livro reúne textos nos quais Calligaris pai se debruça sobre assuntos como luto, felicidade, amor, paternidade e o tempo —sempre em contraponto ao contexto em seu entorno, que ele definia como “a era da facilidade”.

Após estudar em Genebra, Paris e Provença, o psicanalista somava sua ampla formação intelectual à leveza indefectível que buscava no cotidiano.

Fugindo de constatações óbvias, Calligaris abraçava a vida ao falar da morte e prazeres ao falar de dores. “Meu ideal de vida é a variedade e a intensidade das experiências, sejam elas alegres ou penosas”, escreve na crônica que dá nome ao livro.

“Era assim que ele abordava a própria vida: as dores eram inseparáveis da intensidade de viver”, aponta seu único filho, o diretor de televisão Max Calligaris, que participou de todo o processo de produção da coletânea, da curadoria das crônicas até a escolha da capa.

A leitura de “Aproveitar a Vida e Suas Dores”, diz o filho, traz uma sensação familiar. Ele encontra na clareza e na ironia dos textos a mesma sensação acolhedora de quando, ao longo de anos, recebia os textos do pai antes mesmo de chegarem à Redação da Folha.

Max afirma que seu luto pelo pai foge um pouco do comum. Como o psicanalista era uma pessoa pública, o diretor entende que a perda não é só sua, mas partilhada. “Sinto falta do meu pai, mas não é apenas que eu sinto falta dele, ele faz falta.”

Segundo ele, montar o livro foi uma forma de alimentar a memória coletiva e, ao mesmo tempo, lidar com o próprio luto. Em reflexão que remete ao pai, ele aponta que “de alguma forma, a ausência, quando dividida, se torna mais habitável”.

Durante seus mais de 20 anos de Folha, Calligaris fez crônicas que funcionaram como uma análise compartilhada, um divã público. Era na sua subjetividade que cada leitor podia —e agora novamente pode— se reconhecer nas histórias e reflexões do psicanalista.

Além de marcar o reencontro do psicanalista com seus leitores, o livro é mais uma amostra de como suas palavras seguem relevantes. Em 2024, também de forma póstuma, a coletânea “O Sentido da Vida” lhe rendeu um prêmio Jabuti.

Concluída pelo autor às vésperas de sua morte, a obra anterior reunia três textos que estavam inéditos até então. A linha temática complementa “Aproveitar a Vida e Suas Dores”, tratando sobre a obrigação da felicidade, o sentido da vida e o que é “morrer bem”.

Como escreve a também psicanalista Ana Suy no posfácio do novo livro, a literatura é uma forma de manter Calligaris vivo. Sem ter conhecido o autor em vida, ela diz que se “alegra e honra profundamente” em “fazer parte da segunda vida dele, por meio da escrita”.

Vida essa que promete continuidade. Max afirma que outros dois volumes de crônicas do pai já estão em preparação, além de projetos e parcerias pensados tanto para o público mais amplo quanto para o meio acadêmico.

APROVEITAR A VIDA E SUAS DORES

– Preço R$ 58,90 (208 págs.); R$ 44,90 (ebook)

– Autoria Contardo Calligaris

– Editora Paidós