PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro da China, Li Qiang, criticou nesta sexta-feira (26), em discurso na Assembleia-Geral da ONU, a “lei do mais forte” e afirmou que o mundo “entrou em um novo período de turbulência”.
“Se a era da ‘lei do mais forte’ retornar e os fracos forem deixados como presas dos fortes, a sociedade humana enfrentará ainda mais derramamento de sangue e brutalidade”, disse Li. “Somente quando todos os países, grandes ou pequenos, forem tratados como iguais e o verdadeiro multilateralismo for praticado, os direitos e interesses de todas as partes poderão ser melhor protegidos.”
O premiê também afirmou que o unilateralismo e “a mentalidade de Guerra Fria” também voltaram, num recado às tarifas impostas pelo presidente Donald Trump contra a China e outros países.
“O mundo entrou em um novo período de turbulência e transformação. O unilateralismo e a mentalidade de Guerra Fria estão ressurgindo. As regras e a ordem internacional construídas ao longo dos últimos 80 anos enfrentam desafios sérios, e o sistema internacional outrora eficaz está sendo constantemente perturbado”, disse.
“Uma das principais causas do atual desaquecimento econômico global é a ascensão de medidas unilaterais e protecionistas, como aumentos de tarifas e a construção de barreiras.”
O premiê discursou em nome de Xi Jinping, que tem o histórico de não comparecer às Assembleias-Gerais desde que assumiu o poder. O líder participou em três ocasiões: em 2015, na única vez em que falou presencialmente, e as outras duas por videoconferência, em 2020 e 2021, durante a crise sanitária causada pelo coronavírus.
Li afirmou ainda que, após termos passados por duas Guerras Mundiais, “jamais devemos esquecer as dolorosas lições aprendidas com o derramamento de sangue e a perda de vidas”. E abordou questões ambientais, afirmando que a a mudança climática é um dos maiores desafios atuais.
“Devemos defender o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, promover a implementação efetiva do Acordo de Paris e fortalecer a colaboração internacional na economia verde”, pontuou.
A fala de Li ocorre dias após Xi anunciar a nova meta climática do país via vídeo em evento climático presidido por Lula na sede da ONU e o premiê participar de uma reunião da Iniciativa de Desenvolvimento Global (GDI, na sigla em inglês) da Organização.
O posicionamento da China em relação às guerras em curso tem sido constantemente reafirmado pelo próprio Xi e por outros membros do regime. Em relação à Guerra da Ucrânia, o país mantém discurso de neutralidade, afirmando que sua posição é “objetiva e imparcial”, mas sofre críticas por ter na Rússia uma aliada histórica.
No fim de agosto, ao ser questionado sobre um ataque russo que matou cerca de 20 pessoas em Kiev, o porta-voz Guo Jiakun afirmou que o diálogo e a negociação são as vias de resolução do conflito e defendeu a não escalada, sem condenar os ataques russos.
Em 2023, o país publicou um posicionamento oficial sobre a guerra, pedindo a retomada das negociações de paz, o fim das sanções unilaterais e a proteção de civis e prisioneiros de guerra, entre outras resoluções.
Já no ano seguinte, China e Brasil assinaram um consenso com seis pontos propondo uma solução política para a guerra, reiterando a necessidade de diálogo e negociação, pedindo esforços para aumentar a assistência humanitária e condenando o uso de armas de destruição em massa, por exemplo.
Em relação à guerra Israel-Hamas, a China também defende o cessar-fogo, evita críticas diretas a Israel e afirma que a resolução do conflito reside na implementação de dois Estados.
“De acordo com as resoluções relevantes do Conselho de Segurança da ONU e o consenso internacional, a solução fundamental para a questão da Palestina reside na implementação da solução de dois Estados, na restauração dos direitos nacionais legítimos da Palestina e no estabelecimento de um Estado da Palestina independente, que goze de plena soberania com base na fronteira de 1967 e com Jerusalém Oriental como sua capital”, escreveu o regime em documento que explicita o posicionamento da China em relação ao conflito.
O mesmo relatório, publicado em 2023, defende o fim da batalha, a garantia da assistência humanitária e a proteção dos civis, entre outros aspectos.
Em seu pronunciamento na GDI, Li também pediu paz e estabilidade para atingir o desenvolvimento global.
A defesa do multilateralismo também tem sido uma constante nas falas de representantes do regime chinês.
Neste momento, Washington e Pequim vivem uma trégua e tentam negociar uma saída comum para a guerra comercial, que tem causado preocupações com a estabilidade econômica dos dois países. No encontro da GDI, Li criticou as ações americanas sem citá-las nominalmente.
“Atualmente, o unilateralismo e o protecionismo estão em ascensão, a cooperação internacional para o desenvolvimento enfrenta sérias dificuldades, os motores do crescimento econômico global estão enfraquecendo e a disputa por recursos disponíveis está se intensificando”, afirmou durante seu discurso.
Xi, em sua última conversa com Trump no último dia 19, também criticou as tarifas impostas pelo presidente americano, chamando-as de “restrições comerciais unilaterais”.
O pronunciamento de Li na ONU ocorre cerca de um mês antes do encontro previsto entre Xi e Trump durante a passagem dos líderes pela Coreia do Sul na cúpula da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, em português) no fim de outubro. É esperado que durante a reunião os mandatários discutam a guerra comercial, que tem sido o principal ponto de tensão entre os países nos últimos meses.