SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando se passam 42 anos de estrada no mundo musical com a história que o Raça Negra construiu, surge a necessidade de renovação, sem perder a tradição e as particularidades que fundaram o grupo. Uma mistura entre legado e novidades, chamando novos públicos.

É o que Luiz Carlos tem procurado oferecer após comemorar quatro décadas cantando amor em um samba romântico, que ele caracteriza como único no país. Na nova turnê, “Me Leva Junto com Você”, o público vai ouvir tanto clássicos como novas músicas.

A série de shows começa nesta sexta (26) e sábado (27) na capital paulista, no Espaço Unimed, terá um braço internacional —passando pelos Estados Unidos e países da América Latina— e rodará todo o país no ano que vem.

“O samba deve tudo ao Raça Negra”, afirma, diante da abertura de portas na mídia para o estilo após o sucesso do grupo, responsável por canções como “Tarde Demais”, “Sozinho”, “Volta” e “Cheia de Manias”.

Entre as novidades, há “Tem que Ser Agora”, antecipada no programa Altas Horas, além de “O Tempo Não Volta” e “Cem por Cento”. “Quando você tem muito tempo de carreira, é difícil cantar músicas novas. As pessoas vão lá para ouvir o que elas querem ouvir”, diz, ressaltando como a música atravessa gerações. “Em um show que fizemos, vimos uma neta com a mãe os avós. Dos quatro, a neta era a que mais cantava. Todo mundo ensinou a ela, falando de amor, família, amigos. É saudável.”

São temas que o grupo aborda desde sua formação, usando instrumentos de samba, mas que desde o início gerou polêmicas sobre seu gênero propriamente dito —se era, de fato, samba, ou o que se começou a chamar de pagode.

Nos anos 1980, o samba se deparou com uma disputa entre cariocas, que defendiam a manutenção das rodas e dos tradicionais instrumentos acústicos, e paulistas, que investiram no romantismo e em instrumentos elétricos, próximos ao pop, seguindo as apostas das gravadoras da época.

Luiz Carlos rejeita ambos os rótulos. “Acho que a gente não escolheu um jeito. O Raça Negra não é samba, usa instrumentos de samba. Se você perguntar ao Zeca Pagodinho, ‘o que é o Raça Negra?’ Ele vai dizer ‘o Raça Negra é o Raça Negra, tocam do jeito que eles arrumaram'”, diz.

Citando Tim Maia e Roberto Carlos como influências, ele também rejeita o termo pagode. “O que eu sei de pagode, que meus pais me contavam, é de catira. Faziam uma fogueira, tocavam uma viola, cantavam as modas e faziam pagode.”

Os 42 anos de estrada o remetem às origens na Vila Nhocuné, na zona leste de São Paulo. Juntou-se com alguns colegas e formou o A Cor do Samba —nome alterado após piadas que ele considerou de mau gosto.

Antes do sucesso, teve de conciliar as apresentações com seu trabalho em outros locais —entre eles, na Folha. Dentre os vários cargos no jornal, cuidava do pestape —a montagem de artes, colada sobre papel cartão e encaminhada para reprodução em todas as edições impressas em fotolito.

Foi nesse período que compôs “Cheia de Manias”, uma das maiores canções do grupo. “Minha irmã casou primeiro, teve uma festa na favela, com chope quente, um pedaço de bolo para cada um. E tinha uma menina, na mesma rua onde eu morava, que eu achava bonita. Ela soube da festa, começou a conversar comigo. O casamento no sábado, e ela, ‘eu queria tanto ir’. Convidei. No dia seguinte, fui buscá-la em casa. Quem atendeu foi a mãe dela, que disse: ‘Posso te contar um negócio? Ela não gostou de você, não. Só foi lá pela festa’.”

“Aí eu cheguei em casa bravo. Comecei a pegar o violão em festas, aí comecei. ‘Cheia de manias/ toda dengosa/ menina bonita/ sabe que é gostosa/ com esse seu jeito/ faz o que quer de mim/ domina o meu coração.'”, diz, lembrando os versos. Luiz Carlos diz que nunca mais quis saber da garota. “Aquariano esquece em dois segundos quando não é bom para ele.”

A composição abriu portas —a partir daí, recebeu convites de tocar em bares aos finais de semana, já que trabalhava até de madrugada. Foi quando começou a formar o Raça Negra, que gravou o primeiro disco, em 1991. O gênero, porém, ainda não tinha atenção da mídia, ainda mais ligada à MPB da elite da classe artística.

“Depois de tocar nos bares e das dificuldades até para gravarmos o primeiro disco, no Rio de Janeiro, sempre que queríamos fazer shows, nos jogavam para as comunidades, que sempre assistiam, mas ficavam fora dos espaços, da TV”, diz.

Os milhões de discos vendidos, porém, mudaram esse panorama. As estações de rádio FM nunca tinham tocado o estilo, e a Transamérica foi a primeira a dar esse espaço, com “Caroline”, em 1991. Poucos anos depois, em 1995, o Raça Negra entraria para o Guinness Book por ter a música “É Tarde Demais” tocada 600 vezes em um único dia.

Hoje, artistas como Thiaguinho, Péricles, Ferrugem e Ludmilla, com seu trabalho no pagode, aproveitam um mercado mais convidativo ao gênero. É daí que Luiz Carlos entende que “o samba deve uma vida ao Raça Negra”.

“Não tinha quase nenhum negro cantando. Nós botamos o samba na FM, botamos ele na TV. Só depois que nós fomos, foi todo mundo. Tivemos a oportunidade, aproveitamos e incentivamos o outro a ir. Esse legado a gente deixou.”

Sobre o futuro, ele diz que vai seguir na música até quando o corpo aguentar. Apesar da vocação, não se vê nos palcos até o fim da vida, dada a frenética rotina de ensaios, descanso vocal e viagens. “Se eu ficar num show sem andar, sem dançar… Se chegar nesse ponto, eu parei. Mas a gente tá vivendo hoje aqui. Amanhã é intenção, ninguém sabe.”

TURNÊ “ME LEVA JUNTO COM VOCÊ”, DO RAÇA NEGRA

– Quando 26 e 27 de setembro, às 22h; abertura dos portões às 20h

– Onde Espaço Unimed

– Preço Ingressos a partir de R$ 140

– Classificação Não recomendado para maiores de 18 anos