MOSCOU, None (FOLHAPRESS) – O Brasil tem condições únicas para ser um ator global no mercado nuclear civil, mas precisa tomar uma decisão política sobre isso, algo dificultado pelo fato de ter uma das matrizes energética mais limpas entre países de grande porte.

A opinião é da diretora-geral da WNA (sigla inglesa para Associação Nuclear Mundial), a espanhola Sama Bilbao y Léon, ao responder uma questão da reportagem sobre o tema nesta sexta-feira (26) em Moscou. “É algo que o Brasil precisa decidir”, afirmou, dizendo torcer para que o governo finalize a usina de Angra 3.

Ela participa da Semana Atômica Mundial, evento organizado pela gigante russa Rosatom para celebrar os 80 anos da indústria nuclear do país, e na véspera esteve à mesa com Vladimir Putin na abertura do evento.

Fundada em 2001, a WNA reúne 181 membros de 44 países, todos empresas e institutos ligados a etapas do ciclo da produção de energia nuclear, incluindo as estatais Indústrias Nucleares do Brasil e Eletronuclear.

“No contexto atual, o que é importa é descarbonizar a economia. Se sua matriz tem muita energia hidroelétrica, como é caso do Brasil, é uma coisa. Se você for a Coreia do Sul, que não tem, vai ser diferente”, disse Sama.

Com efeito, o Brasil tem 85% de fontes de baixo carbono em sua matriz elétrica, com apenas 1,2% vindos das duas usinas em Angra dos Reis (RJ) e o restante, de renováveis como plantas hidroelétricas, eólicas e solares. Os sul-coreanos marcam 40%, mas o nuclear responde por um terço da produção total do país.

A diretora, no cargo desde 2020, ressaltou a meta estabelecida pelo setor de triplicar a produção até 2050, chegando a cerca de 27% da matriz elétrica global. “Se quisermos fazer isso, precisaremos de todo mundo, e talvez seja interessante para o Brasil participar”, disse.

Ela lembrou que “o Brasil tem um programa nuclear ambicioso, domina todo o ciclo do combustível, tem mineração [de urânio]”. Assim, disse ela, há condições para mais destaque no palco mundial. “O Brasil tem de saber se quer ser um ator global”, afirmou.

O setor nuclear vive, nas palavras ditas à reportagem no ano passado pelo diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), o argentino Rafael Grossi, uma tempestade perfeita. Os seus termos foram repetidos, de forma geral, por Putin na quinta-feira (25).

Primeiro, há a necessidade de mitigar o impacto da crise climática criada pelas emissões de carbono, um trabalho de Sísifo.

Nesse sentido, a energia nuclear oferece a melhor opção do mercado —ambientalistas ponderam que o caminho da produção, incluindo a mineração do urânio para o combustível das usinas, não é limpo, fora os riscos de acidentes e a questão do lixo radioativo.

Segundo, há a explosão da IA (inteligência artificial), cujas aplicações demandam quantidades monstruosas de eletricidade para fazer rodar computadores, além das necessidades igualmente pantagruélicas de setores como a mineração de criptomoedas e datacenters.

Os contratos na área se multiplicam, e a solução precisa ser imediata. Por fim, há a geopolítica: a reação europeia à Guerra da Ucrânia, por exemplo, fez o consumo de petróleo e gás russos no continente despencar, com efeitos inflacionários.

Sama apontou para o caso de Bangladesh como uma “fabulosa história de sucesso” em termos de ofertar energia e descarbonizar rapidamente.

“Em menos de dez anos, o país passará de zero para 10% de energia nuclear em sua matriz elétrica”, disse ela, em referência à usina de Rooppur, que deverá entrar em operação no fim do ano após oito anos de construção pela Rosatom.

Sama segue o mantra de Grossi, Putin e outros atores do setor quando o assunto é segurança. Boa parte dos painéis na Semana Atômica Mundial são dedicados ao tema, o mais nevrálgico dada a memória de acidentes como o de Tchernóbil, na Ucrânia soviética em 1986. A abordagem é invariavelmente otimista, como seria presumível em um evento do setor.

“Você nunca sabe [quando vai ocorrer uma tragédia natural, como o tsunami que atingiu a usina de Fukushima, no Japão, em 2011]. Mas nós somos provavelmente a indústria mais preparada para lidar com essas situações”, afirmou.

Por óbvio, há outros riscos. Na madrugada desta sexta, por exemplo, destroços de um drone russo abatido caíram a 800 metros da usina nuclear de Iujnoukrainsk, em Mikolaiv (Ucrânia), segundo Grossi.

E Moscou tomou para si a maior planta da Europa, em Zaporíjia, no começo da guerra contra o vizinho em 2022. Sempre sob ameaça de perda de energia por ataques e com reatores inoperantes, a unidade representa um desafio logístico enorme para a AIEA, que mantém uma equipe no local.

Por fim, o ponto de venda econômico. “A Finlândia derrubou em 75% o preço global de sua tarifa de energia” desde que adotou o nuclear, em 1977, relatou Sama. O país nórdico tem 35% de sua eletricidade fornecida por dois reatores russos, dois suecos e um francês.

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O jornalista viajou a convite da Rosatom