SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A demissão por idade é considerada discriminatória pela Justiça do Trabalho e tem rendido a empresas punições que chegam a valores próximos de R$ 500 mil, conforme casos julgados no TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Embora o etarismo não seja citado de forma direta na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), há leis, normas, jurisprudência —entendimento consolidado do Judiciário—, convenções internacionais e respaldo na Constituição Federal que protegem o trabalhador contra esse tipo de prática.

Dentre as principais leis está 9.029, de 1995, que proíbe práticas discriminatórias na admissão e na manutenção do emprego, incluindo por idade. O Estatuto do Idoso também ampara o trabalhador contra etarismo e a Constituição garante a todos os cidadãos direito à igualdade, proibindo discriminação.

Segundo a advogada Maria Eduarda Gomes, do escritório Mauro Menezes & Advogados, o primeiro artigo da lei de 1995 proíbe a adoção de critérios discriminatórios para acesso ao trabalho e quarto artigo garante ao trabalhador demitido de forma discriminatória o direito à reintegração ou indenização em dobro do valor do salário pelo período de afastamento.

Maria Eduarda é responsável por uma ação recente julgada na Terceira Turma do TST que definiu pagamento de indenização a uma engenheira dispensada em empresa do Sul do país após estar próxima de fazer 60 anos.

A engenheira trabalhava na companhia desde 1982 e, em março de 2016, aos 59 anos, foi incluída em uma lista de demissão em massa que teve como critério de escolha quem estava perto de se aposentar.

Na ação, a trabalhadora afirma que “apesar de a empresa tentar mascarar” o que estava ocorrendo, o modelo adotado fez com que fossem demitidas somente pessoas que já haviam atingido uma certa idade.

A empresa justificou que a medida tentava oferecer o menor impacto social, porque os trabalhadores já estariam próximos de pedir a aposentadoria ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e conseguir renda, mas afirmou que teve como base a “necessidade de adequação estrutural técnico-financeira às novas diretrizes da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), e os empregados atingidos foram aqueles que teriam outra fonte de renda”.

O processo foi negado em primeira instância e o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) manteve a decisão. No TST, no entanto, houve ganho de causa. Para o ministro relator, Alberto Balazeiro, a dispensa foi discriminatória por idade, ainda que de forma indireta.

Para ele, a demissão violou o princípio da igualdade.

COMO PROVAR A DEMISSÃO DISCRIMINATÓRIA POR IDADE?

A advogada Priscila Kirchhoff, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, afirma que a prova do etarismo é um dos principais desafios. Segundo ela, muitas das condutas são veladas e se manifestam em atitudes sutis, como piadas recorrentes, exclusão de reuniões, falta de oportunidades ou insinuações sobre a capacidade do trabalhador em razão da idade.

A especialista afirma ainda que, para configurar o assédio moral e a prática discriminatória, é necessário que as condutas se repitam e sejam contínuas no tempo. “Por isso, a coleta de provas é essencial, e pode incluir testemunhas, emails, prints de conversas e outros documentos”, diz.

Priscila lembra que a testemunha é muito importante na Justiça do Trabalho. “Em algumas situações, até mesmo políticas internas da empresa que restringem contratações ou demissões com base na idade podem ser usadas como indício de discriminação”, afirma.

Ela diz ainda que, nestes casos, o ônus da prova é do trabalhador e cabe a ele demonstrar que houve tratamento desigual motivado pela idade.

Maria Eduarda Gomes, do Mauro Menezes & Advogados, diz que no caso recente julgado pelo TST, a empresa determinou o desligamento de um contingente de 186 trabalhadores e o critério da escolha dos atingidos foi o fato de que estavam próximos da aposentadoria, ou seja, foi por idade.

“Nesses casos, a jurisprudência consolidada do TST compreende que a dispensa de empregado quando constatada a vinculação ao tempo de serviço possui caráter discriminatório, pois, ainda que de forma indireta, possui relação com o critério etário. Afinal, é inegável a relação diretamente proporcional existente entre idade e tempo de serviço”, diz ela.

VALORES DAS CAUSAS

Priscila afirma que a reforma trabalhista de 2017 estabeleceu critérios para calcular o valor das indenizações por dano moral, pedidas nos casos de ações nas quais há dispensa discriminatória.

A lei 13.467, de 13 de julho de 2017, classifica as ofensas como leves, médias, graves ou gravíssimas, e tem como base para o cálculo a multiplicação do salário do empregado. No entanto, segundo ela, essa regra tem sido flexibilizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Na prática, ofensas pontuais tendem a gerar indenizações entre R$ 10 mil e R$ 20 mil; em casos mais graves os valores variam entre R$ 20 mil e R$ 100 mil; e nas ações coletivas, ou com maior repercussão, os valores podem ultrapassar R$ 200 mil.

“Casos em que há corte de benefícios de longa data, como plano de saúde de empregados mais velhos, podem ser interpretados como discriminatórios, mesmo quando a empresa alega erro administrativo”, diz ela.

Na ação em que a empresa foi condenada a pagar R$ 440 mil de indenização pelo TST, a interpretação do Judiciário foi de que o próprio argumento da defesa já demonstra viés etário.

QUAIS SÃO LEIS E NORMAS QUE PROÍBEM O ETARISMO NO MERCADO DE TRABALHO?

A lei 9.029/1995 proíbe práticas discriminatórias na admissão e na manutenção do emprego, incluindo por idade. O artigo 1º veda a adoção de critérios discriminatórios para acesso ao trabalho, enquanto o artigo 4º assegura ao trabalhador dispensado de forma discriminatória o direito à reintegração ou à indenização em dobro do período de afastamento.

A Constituição Federal também trata do tema nos seguintes artigos:

– Art. 3º, inciso 5 estabelece como objetivo da República o combate a toda forma de discriminação, inclusive por idade

– Art. 7º, incisos 30 e 31 proíbem a diferenciação salarial ou de critérios de admissão com base em idade, sexo, cor ou estado civil

Na (CLT Consolidação das Leis do Trabalho), o artigo 373-A proíbe a publicação de vagas com restrições por idade (menos em casos justificados) e a dispensa motivada por esse critério. O artigo 461 garante igualdade salarial para funções equivalentes, sem distinção por idade.

Além da legislação nacional, o Brasil faz parte de tratados e convenções internacionais que reforçam a proteção contra a discriminação, como:

– Convenção nº 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que define discriminação como qualquer distinção que prejudique a igualdade de oportunidades no emprego, inclusive por idade

– O Protocolo de San Salvador e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reafirmam o direito à igualdade e não discriminação no trabalho e no acesso a direitos fundamentais