SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Amy Coney Barrett, a última juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos a ser indicada por Donald Trump, foi empossada em 2020 com um recorde nas costas. Ela é dona do processo de confirmação mais rápido desde 1975: enquanto a duração média entre a indicação do presidente e a aprovação pelo Senado é de 55 dias, Barrett passou pelo crivo dos senadores um mês depois —oito dias antes da eleição presidencial daquele ano.

Mais precisamente, pelo crivo dos senadores do Partido Republicano. Outra característica do célere e turbulento processo de confirmação de Barrett é o fato de que ela se tornou a primeira pessoa desde 1870 a ser aprovada para a Corte sem um único voto da oposição —graças à forma como foi indicada por Trump.

Barrett, cuja indicação completa cinco anos nesta sexta-feira (26), substituiu Ruth Bader Ginsburg, que se tornou um ícone progressista ao longo das quase três décadas em que ocupou o cargo e morreu em setembro de 2020, menos de dois meses antes da eleição que terminou com a vitória de Joe Biden.

Ao correr com a confirmação de Barrett para que a vaga de Ginsburg pudesse ser ocupada por uma indicação republicana, o partido atropelou o precedente que ele próprio havia criado. Em 2016, sob a iniciativa do líder da maioria na época, Mitch McConnell, o partido obstruiu a indicação de Barack Obama para substituir o influente magistrado conservador Antonin Scalia, morto mais de oito meses antes do pleito daquele ano, no qual Trump saiu vitorioso sobre Hillary Clinton.

Na época, o argumento dos republicanos era de que seria inconsequente da parte do presidente democrata indicar um substituto para o lugar de um conservador tão importante na história da corte no trecho final de seu mandato. Quando os papéis se inverteram, McConnell não hesitou em elevar Barrett ao órgão máximo do Judiciário dos EUA. Nos dois casos, os republicanos controlavam o Senado.

“Mesmo antes da sua indicação, Barrett era conhecida como uma juíza muito conservadora, especialmente em temas morais, e muito ligada à Igreja Católica”, diz Cássio Casagrande, professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) e estudioso do sistema jurídico americano. “Se esperava que ela teria, na Suprema Corte, uma postura também conservadora —e ela mostrou que essa expectativa era verdadeira.”

A manobra que colocou Barrett no tribunal foi duramente criticada pelos democratas. O líder da minoria, Chuck Schumer, disse que se tratava do processo “mais ilegítimo” que já havia visto na Casa, e o senador Richard Blumenthal sentenciou: “A história há de assombrar esse exercício irresponsável de poder”.

Julgamentos históricos à parte, a decisão dos republicanos garantiu uma maioria conservadora sólida ao tribunal, com seis indicações republicanas (três delas feitas por Trump) e três democratas, com consequências momentosas. Em decisões cruciais, Barrett se alinhou à ala conservadora liderada pelo juiz Samuel Alito e votou em casos que alteraram profundamente a vida dos americanos.

Em 2022, como a base republicana esperava que faria, Barrett votou a favor da decisão que derrubou o direito constitucional ao aborto nos EUA, revertendo cinco décadas de jurisprudência e criando profunda insegurança jurídica para quem busca o procedimento no país.

Hoje, mulheres de estados governados por republicanos precisam viajar para os governados por democratas para realizar o procedimento, arriscando consequências legais, ou pedem de médicos desses estados o envio de remédios abortivos. A constitucionalidade dessa prática está em disputa na Justiça americana e deve chegar à Suprema Corte em breve.

Em 2023, Barrett ajudou a formar a maioria que acabou com ações afirmativas no ensino superior. Na ocasião, a Suprema Corte entendeu que, ao considerar a identificação racial de um candidato em uma tentativa de aumentar a diversidade do corpo discente, as universidades cometiam discriminação e violavam a 14ª emenda da Constituição, que prevê tratamento igualitário perante a lei.

E em 2024, a juíza deu a Trump uma das suas maiores vitórias na corte: votou a favor da tese que deu ampla imunidade a presidentes por ações realizadas no cargo, garantindo que o republicano não seria julgado por sua tentativa de reverter o resultado da eleição de 2020.

Ao mesmo tempo, entretanto, dados mostram que Barrett se alinhou mais do que se imaginava à ala progressista do tribunal. Um levantamento realizado pela Universidade de Washington em St. Louis e pelo jornal The New York times mostra que, de 2023 a 2024, a juíza votou junto com as três magistradas progressistas em 91% das vezes em que elas foram vitoriosas em algum caso. Além disso, de 2020 até hoje, a frequência com a qual Barrett proferiu votos conservadores caiu de 80% para menos de 60%.

Essa tendência não passou despercebida pela base trumpista. “Mais recentemente, Barrett mostrou dissonância no segundo mandato de Trump. Votou contra a deportação de venezuelanos sem o devido processo legal, por exemplo. Alguns aliados de Trump chegaram a apelidá-la de Amy ‘Commie’ [comunista] Barrett”, diz Casagrande.

“Mas foram divergências muito marginais. Isso não significa que ela esteja fora da agenda conservadora americana”, pontua o professor, relembrando o caso recente no qual Barrett defendeu vigorosamente a decisão da Suprema Corte que impediu juízes de instâncias inferiores de questionarem decretos presidenciais, outra vitória do governo Trump.

Para Casagrande, um caso que deve servir como divisor de águas para a Corte e Barrett é o questionamento feito pelo governo Trump da cidadania automática a filhos de imigrantes nascidos em território americano. Até aqui, o tribunal não se debruçou sobre o mérito da ação, mas o consenso entre juristas é que a Constituição dos EUA é cristalina em garantir a cidadania a qualquer pessoa nascida no país, independentemente da sua origem familiar.

“A jurisprudência nessa questão é muito consolidada. Se a Suprema Corte mudar isso, e se Barrett seguir a ala conservadora, vai demonstrar que não tem independência judicial alguma e comprovar que capitulou totalmente aos caprichos de Trump.”