SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – O Ceará, que enfrentou nesta quinta-feira (25) um ataque a estudantes em uma escola em Sobral (244 km de Fortaleza), vive um período de rearranjo na dinâmica do crime organizado, com o avanço da presença de facções criminosas de caráter nacional e crescimento das mortes violentas.

O cenário desafiador é resultado da briga entre os grupos criminosos, que disputam territórios nas principais cidades do estado, avançam sobre a prestação de serviços, sobre a política e não poupam nem mesmo espaços antes considerados intocáveis, como as escolas.

Foi o caso do ataque à escola Luis Felipe, que deixou dois adolescentes mortos e três feridos. A polícia investiga as circunstâncias do crime e apura a influência das rixas entre facções. Conforme apontado pela Folha de S.Paulo, um dos alunos baleados vivia em uma comunidade dominada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), organização rival do Comando Vermelho, que atua onde fica a escola.

O governador Elmano de Freitas (PT) classificou o episódio como um fato intolerável e gravíssimo. Ele determinou reforço policial na região e enviou a Sobral a cúpula da Secretaria de Segurança Pública.

No ano passado, as mortes violentas cresceram 11% no Ceará, interrompendo uma trajetória de queda nos indicadores registrada desde 2022. Ao todo, foram 3.361 assassinatos, número que fez do estado o quinto do país com maior número absoluto de assassinatos em 2024.

Entre janeiro e agosto deste ano, foram registradas 2.087 mortes violentas. Os dados são Ministério da Justiça e Segurança Pública e incluem homicídio, feminicídio, lesão corporal seguida de morte, roubo seguido de morte e morte decorrente de ação policial.

Em entrevista à TV Verdes Mares em julho, o governador disse que cerca de sete organizações criminosas disputam o mercado de drogas no Ceará. O estado é cobiçado pelas facções por abrigar o porto de Pecém, estratégico pela proximidade com a Europa e os Estados Unidos.

Ainda segundo o governador, cerca de 90% dos homicídios registrados no estado têm relação com o tráfico. Para enfrentar este cenário, disse, o governo aposta em políticas voltadas para a juventude e ampliou a presença de policiais nas ruas, com a contratação de mais 3.500 profissionais de segurança.

O estado também registrou crescimento do número de prisões —são cerca de 100 pessoas presas por dia no Ceará. O governo também destaca ações de inteligência que miram líderes das facções, muitos deles presos em outros estados.

Com acirramento da violência, o governador trocou o secretário de Segurança Pública e nomeou para o cargo o delegado federal aposentado Roberto Sá, que já atuou na mesma pasta no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.

Nos últimos anos, o Ceará registrou um avanço do Comando Vermelho, facção com origem no Rio de Janeiro que tomou áreas dominadas pela facção local GDE (Guardiões do Estado). Também atuam no estado grupos criminosos de presença nacional como o paulista PCC e o carioca TCP (Terceiro Comando Puro).

A disputa por territórios tem sido marcada por crimes que chocaram a sociedade. Em maio, quatro homens foram mortos enquanto jogavam futebol em um campo no bairro Barra do Ceará, em Fortaleza. No mesmo mês, duas irmãs foram mortas na praia por homens que chegaram em uma moto aquática.

“Nós estamos vivendo uma violência difusa que chega em lugares que, a princípio, eram vistos como sagrados como as casas, as escolas, as universidades, as igrejas. Não comum ver assassinatos no interior de uma escola”, avalia o sociólogo César Barreira, professor da Universidade Federal do Ceará.

O crime organizado também passou a mirar a prestação de serviços para ampliar seus ganhos. Um dos alvos foram empresas provedoras de internet, cujos donos eram ameaçados por criminosos, que exigiam parte das mensalidades. Quem não aceitava o achaque, tinha a infraestrutura de distribuição destruída.

Em março, uma operação da Polícia Civil prendeu 17 pessoas e cumpriu buscas em 14 sedes de provedores de internet, parte delas clandestinas, sem autorização ou cadastro para funcionamento.

Também foram identificadas conexões das facções com a política institucional. Os prefeitos de Santa Quitéria e Iguatu, ambos eleitos no ano passado, foram cassados pela Justiça Eleitoral devido a elos com grupos criminosos. O prefeito de Potiretama foi preso com suspeita de ligação com uma facção.

Quinta maior cidade do Ceará, com 216 mil habitantes, Sobral está entre as cidades mais violentas do Brasil. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam a cidade com uma taxa de 59,9 mortes violentas por cada 100 mil habitantes —a 12ª maior em todo o país.

A cidade, considerada uma das principais referências para o país em alfabetização e educação para os primeiros anos do ensino fundamental, enfrenta um cenário complexo na segurança, com bairros dominados por facções criminosas e até candidatos impedidos de entrar em certas áreas da cidade durante as eleições.

Em 2024, Sobral teve 121 mortes violentas, sendo a quarta cidade com mais assassinatos em números absolutos do Ceará, atrás apenas de Fortaleza, Caucaia e Maracanaú. Neste ano, foram 75 mortes registradas até agosto.