SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O secretário especial da Receita Federal do Brasil, Robinson Barreirinhas, esteve em São Paulo nesta quinta-feira (25) para acompanhar a Operação Spare, que mirou postos e outras empresas em um desdobramento de outra investigação, a Carbono Oculto, que em 28 de agosto mirou alvos na cadeia de combustível e no setor financeiro.

Ao lado da superintendente para São Paulo, Márcia Meng, Barreirinhas detalhou que estão na reta final as conversas com representantes do setor financeiro para soltar uma norma que acaba com o anonimato de investidor final de fundo exclusivo, medida adiantada à Folha de S.Paulo. A previsão é publicar o texto em até um mês.

Pela regra atual, no caso de fundos nacionais, quando um fundo está dentro de outro fundo, e assim sucessivamente, não é preciso declarar o UBO (ultimate beneficial owner, ou beneficiário final). Desde 2018, a identificação do beneficiário final já ocorre no caso de fundos estrangeiros que investem no Brasil.

“Aqueles fundos com poucos cotistas, como nós vimos na Operação Carbono Oculto, estão sendo utilizados pelo crime organizado. Nesses fundos, em que o cotista é outro fundo, e mais outro fundo, sucessivamente, escondem quem é o real beneficiário”, explicou.

“Com a nova norma, os administradores vão ter que identificar quem é a pessoa física, o CPF, que está no final da cadeia daqueles fundos exclusivos, conforme exigem as melhores práticas do mundo inteiro.

A Folha de S.Paulo apurou que a medida é esperada no mercado com um misto de temor e alívio. A Carbono Oculto levou a busca e apreensão em instituições financeiras da Faria Lima e trouxe suspeita sobre esses fundos. Como não existe exigência para identificar quem é o beneficiário final, gestoras não sabem se entre os milhares de fundos sob sua administração no mercado nacional há CPFs contaminados pelo crime organizado.

Leia a seguir trechos da entrevista de Barreirinhas.

COMBATE À INFILTRAÇÃO NAS FINTECHS

Como todos sabem, há um mês, no dia 28 de agosto, nós tivemos a Operação Carbono Oculto, que revelou a intensidade da infiltração do crime organizado no setor de combustível e a utilização de esquemas sofisticados, societários e financeiros, para acobertar esses crimes.

Veja que no dia seguinte à Operação Carbono Oculto, nós publicamos uma instrução normativa estendendo às fintechs as mesmas obrigações de transparência, de prestação de informação que todas as instituições financeiras têm aqui no Brasil, fechando essa importante brecha [fintechs já são reguladas pelo BC, exceto as com movimentação financeira muito reduzida, a partir de agora também obrigadas a reportar as transações à Receita].

Estamos conversando com o Banco Central do Brasil e com a Comissão de Valores Imobiliários para avançarmos na regulamentação do setor. Logo após a Operação Carbono Oculto, o Banco Central apertou também a regulamentação em relação a fintechs e deve avançar mais ainda nessa regulamentação.

CERCO AOS FUNDOS EXCLUSIVOS

Estamos vivendo um momento histórico do combate ao crime organizado no Brasil, especificamente no combate à sua estrutura financeira. Estamos fechando as brechas.

Em diálogo com o mercado financeiro, estamos produzindo uma nova norma, exigindo a identificação do beneficiário final de fundos exclusivos –aqueles com poucos cotistas, como nós vimos na Operação Carbono Oculto, estão sendo utilizados pelo crime organizado. Nesses fundos, em que o cotista é outro fundo, e mais outro fundo, sucessivamente, escondem quem é o real beneficiário.

Nós já adiamos a publicação para ouvir a Anbima [Associação dos Mercados Financeiro e de Capitais] e depois prorrogamos a decisão a pedido de órgãos de investigação que gostariam apresentar sugestões. Quero publicar em no máximo um mês.

Com a nova norma, os administradores vão ter que identificar quem é a pessoa física, o CPF, que está no final da cadeia daqueles fundos exclusivos, conforme já exigem as melhores práticas do mundo inteiro.

NOVAS ESTRUTURAS DE COMBATE AO CRIME

Nos aproximamos ainda mais do Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras, unidade de inteligência vinculada ao Banco Central] e vamos desenvolver um sistema de compartilhamento de dados, preservando o sigilo fiscal, mas dando uma ferramenta tecnológica para que o Coaf possa ter uma visão mais ampla.

Em 2023, nós criamos a Equipe de Combate à Fraude Estruturada. Com aprovação, agora, da Medida Provisória 303, isso será ampliado. Todo mundo fala daquela parte das aplicações financeiras, mas lá tem um dispositivo muito importante, meio árido, que passa despercebido, mas que muda funções e cargos na Receita Federal.

Com base nisso, vamos reestruturar a Receita e criar uma delegacia contra a fraude estruturada. Aquilo que é hoje uma equipe vai virar uma delegacia com toda a estrutura para esse tipo de trabalho, aprofundando esse tipo de investigação, que é essencial. Se o crime encontrou esses caminhos, é função do Estado fechar essas portas -e como a Receita Federal pode colaborar com isso, estamos agindo.

COIBINDO A IMPORTAÇÃO ILEGAL

Na semana passada, a Receita Federal deflagrou a operação Cadeia de Carbono, que atacou exatamente o braço de comércio exterior desse crime organizado, a importação fraudulenta de combustíveis. Nós apreendemos a carga de dois navios cargueiros que se aproximaram lá do Rio de Janeiro e continuaremos com essa atividade para sufocar o crime.

Mas também avançando muito na regulamentação da importação de petróleo, de derivados, de outros combustíveis, restringindo o despacho antecipado. Ampliamos as exigências de habilitação desses importadores.

Olha o que vai acontecer. Um importador lá na região norte do Brasil, que faz um desembaraço de um navio de petróleo e cita o estado de São Paulo como destino, a partir de agora, vai precisar de anuência prévia tanto do estado lá no norte quanto do estado de São Paulo. Ou seja, qualquer estado destinatário não será mais surpreendido por esse tipo de operação. Essa portaria foi publicada ontem [24 de setembro].