SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Duas vezes prefeito de Salvador, Mário Kertész foi eleito pela última vez para um mandato eletivo há 40 anos. Ainda assim, segue como um dos políticos mais influentes da história recente da Bahia.
Aos 81 anos, 30 deles como radialista e empresário da comunicação, Kertész faz um apanhado da sua trajetória pessoal e política na autobiografia “Riso-Choro (E tudo mais que vem no meio)”, publicada pela Edufba, editora da Universidade Federal da Bahia.
Com uma linguagem direta, quase coloquial, o livro fala da vida pessoal do menino que cresceu em uma família de judeus em Salvador, do tecnocrata alçado ao poder ainda jovem e narra bastidores da política baiana, com ênfase na relação de amor e ódio com Antônio Carlos Magalhães (1937-2007).
ACM, que foi três vezes governador da Bahia, é citado em 47 das 353 páginas do livro. A convivência entre ambos começou em 1967, quando o então deputado ACM se tornou prefeito de Salvador e Kertész trabalhava na secretaria de Finanças. Anos depois, o prefeito virou governador e fez do jovem auxiliar secretário de Planejamento.
Ao rememorar o período, Kertész fala sobre um ACM que estimulava os técnicos da gestão, mas levava os políticos na rédea curta. Dava esporros em público, fazia elogios entre quatro paredes. Demonstrava prazer em exercer o poder, mas tinha uma certa dependência de seus auxiliares mais próximos.
Juntos, tocaram projetos como a construção do Centro Administrativo, vitrine do governo que insinuava uma Bahia moderna, e trabalharam no comando da Eletrobras. Quando ACM voltou ao governo, fez do aliado prefeito biônico de Salvador em 1979 sem sequer consultá-lo.
A relação afinada e de intimidade deu lugar a intrigas quando Kertész passou a ser cotado como candidato a governador. ACM inicialmente fez jogo duplo, mas escolheu para a sucessão Clériston Andrade, aliado que morreria em um acidente de helicóptero durante a campanha de 1982.
Kertész decidiu não apoiar o candidato do governador e se preparou para o pior. Antevendo que seria demitido, foi ao Palácio de Ondina dirigindo o próprio carro -suspeitava que ACM recolheria o veículo da prefeitura e o faria voltar a pé. Soube da demissão apenas no dia seguinte pelo Diário Oficial.
A crise entre ambos teve capítulos tensos, incluindo cortes de repasses para a prefeitura e notinhas em jornais. Em uma das brigas, o governador destilou preconceito e xingou Kertész de “judeu fedorento”. Em outra, falou para a mulher do então prefeito que ele mantinha um caso extraconjugal: “ACM foi muito sacana comigo”, narra Kertész no livro.
O rompimento o levou à oposição. Filiado ao PMDB, foi eleito prefeito de Salvador pelo voto direto em 1985. Kertész e ACM voltariam a se reaproximar no fim dos anos 1980, quando se abraçaram, choraram juntos e puseram fim à inimizade. Não voltariam a ser aliados.
A saída de Kertész da política é tratada no livro de forma superficial, deixando aos leitores um enigma sobre como um prefeito bem avaliado amargou derrotas nas eleições seguintes.
Em 1990, ele ensaiou ser candidato a governador, mas enfrentou desgastes após romper com o sucessor, o radialista Fernando José (PMDB), que o acusou de deixar um rombo nos cofres da prefeitura. Enfrentou processos na Justiça, mas sempre negou ter cometido irregularidades.
Foi candidato a deputado federal e teve apenas 15 mil votos. Em 1992, disputou a prefeitura, mas ficou em sexto lugar. Voltou às urnas em 2012, novamente derrotado para prefeito, episódio que classifica como “uma maluquice” que por um tempo arranhou a sua credibilidade.
Galeria Campanha das Diretas Já, em 1984 Comícios atraíram multidões às principais capitais no início de 1984 https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/22228-comicios-das-diretas-ja *** No comando da Rádio Metrópole, mantém influência à frente dos microfones, mas sobretudo nos bastidores. Em 2020, participou da articulação que ungiu Bruno Reis (União Brasil) como candidato a prefeito e, ao mesmo tempo, foi ouvido por Rui Costa (PT) na escolha do nome da oposição.
As faíscas contra políticos contemporâneos são raras no livro. ACM Neto (União Brasil) é chamado de arrogante em mais de uma passagem. Sobre Jaques Wagner (PT), com quem diz ter intimidade, afirma que seu governo suspendeu verbas para a rádio após críticas. Os notórios adversários são ignorados.
O lançamento do livro, em Salvador, teve ares de romaria entre os políticos, com a presença de aliados e inimigos íntimos. O radialista e empresário que nunca deixou de fazer política afirma não guardar rancores: “Não tenho direito de me queixar de nada, a vida tem sido extremamente generosa comigo.”
RisoChoro (E tudo mais que vem no meio)
Preço R$ 70 (353 págs.)
Autoria Mário Kertész
Editora Edufba