SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Operação Spare, deflagrada nesta quinta-feira (25), referendou que a infiltração do crime organizado encontra brechas em diferentes negócios da economia formal.

Apesar de ser anunciada como uma complementação da Carbono Oculto, realizada em 28 de agosto, com foco na cadeia de combustível e suas ramificações financeiras na Faria Lima, a Spare aponta ligações da facção com segmentos como franquia de perfumaria e cosméticos, construção civil e motéis.

As autoridades identificaram ligação de Maurício Soares de Oliveira, franqueado de O Boticário, proprietário de quase cem unidades da marca, segundo a investigação, com o empresário Flávio Silvério Siqueira, apontado como operador do PCC (Primeiro Comando da Capital), alvo de busca e apreensão nesta quinta e considerado o principal operador da lavagem de dinheiro do esquema. A defesa dele não foi localizada.

Não há nenhum indício de relação entre a empresa dona de O Boticário com facções criminosas. Os investigadores encontraram operações suspeitas especificamente nas lojas de Oliveira e identificaram que ele é próximo de familiares de Silvério. Fazer interposição de empresas, familiares e amigos é uma prática comum no crime organizado.

Em nota enviada à Folha, a assessoria de imprensa do franqueador afirmou que a rede adota políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e anticorrupção e tem código de conduta que exige cumprimento irrestrito da legalidade.

“O Grupo Boticário não tinha conhecimento e tampouco tem responsabilidade sobre as ações ilícitas denunciadas na Operação Spare, que incluem as acusações referentes a Maurício Soares de Oliveira, sócio de uma empresa terceira que possui participação em lojas franqueadas”, destacou o texto.

O franqueador, no entanto, não tem controle sobre detalhes operacionais de cada loja franqueada ou sobre o destino dos resultados financeiros. A reportagem não conseguiu localizar Oliveira.

O Ministério Público de São Paulo e a Receita Federal suspeitam que o franqueado estaria usando suas lojas para fazer lavagem de valores ilícitos. Históricos das transações mostram que os seus estabelecimentos fizeram muitas operações utilizando dinheiro em espécie, até mesmo durante o período da pandemia, quando a circulação de pessoas era restrita.

As movimentações chamaram a atenção do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão de inteligência ligado ao Banco Central. O conselho identificou que foram mais de R$ 4 milhões de depósitos em espécie e a receita bruta das lojas, mesmo durante a pandemia, foi crescente, com elevado montante de lucros acumulados.

A investigação identificou vínculos pessoais entre Maurício de Oliveira, Flávio Silvério e seus familiares. Para justificar um aumento de patrimônio, o irmão de Flávio, Eduardo Silvério, declarou ter feito um empréstimo de R$ 1,5 milhão com Oliveira, por exemplo.

As autoridades também identificaram que, em fevereiro de 2020, Oliveira comprou um helicóptero. No mesmo dia da emissão da nota fiscal, a empresa da irmã de Silvério, Adriana, adquiriu combustível de aviação. A suspeita é que Oliveira teria comprado o veículo para Silvério.

Familiares de ambos também compraram juntos passagens de avião, reforçando o vínculo comportamental entre os dois.

Ao avaliar os pedidos de busca e apreensão, a Justiça considerou que a inclusão do franqueado na operação seria uma “extensão prematura da investigação”, pois avaliou que o vínculo entre os dois empresários era “raso”, “ao menos por ora”.

O MP-SP sustentou que a medida era necessária para a preservação de eventuais provas em poder de Oliveira e que os elementos anexados aos autos eram suficientes. Não houve busca e apreensão.

No caso da construção civil, foi identificado que o braço do crime organizado sob investigação está erguendo prédios, especialmente na Baixada Santista.

O mecanismo é o mesmo já adotado em outros locais onde as facções ingressaram na área imobiliária: a SCP, sociedade em conta de participação. Esse tipo de arranjo societário está previsto no Código Civil como alternativa para a captação de recursos voltados à construção de empreendimento imobiliário.

Essas sociedades funcionam com um sócio extensivo, normalmente uma construtora, e os verdadeiros sócios, geralmente os investidores, permanecem ocultos. Nos casos investigados, os investidores são ligados ao crime organizado. As investigações, no entanto, não conseguiram identificar se as construtoras sabiam da origem ilícita dos recursos e, assim, seus nomes são mantidos em sigilo.

Esse movimento no setor imobiliário também levou a motéis. Alguns chamaram a atenção por estarem adquirindo terrenos para a construção dos prédios.

A investigação identificou que mais de 60 motéis eram usados para lavar bilhões de reais do esquema, na Grande São Paulo e na Baixada Santista. Para os investigadores, o setor foi escolhido por tradicionalmente lidar com grande volume de dinheiro vivo.

O modus operandi consistia em utilizar esses motéis para “introduzir um dinheiro ilegal” na economia formal, pois a movimentação financeira nas contas bancárias dos estabelecimentos era bastante superior ao valor declarado por eles como receita. Dessa forma, o dinheiro de origem ilícita era disfarçado como faturamento legítimo, mesmo que a conta bancária fosse maior do que o valor que o motel declarava ao Fisco.

A estrutura criminosa garantia que os lucros ilícitos fossem reinvestidos em bens de luxo, segundo a investigação. Os motéis, que deveriam gerar receita apenas com hospedagem, adquiriram bens que não faziam sentido para a atividade hoteleira, como imóveis, terrenos, lanchas e helicópteros.

A investigação aponta o uso de “laranjas” e localizou comprovantes demonstrando que os verdadeiros beneficiários dos valores pagos eram Flávio Silvério Siqueira e Eduardo Silvério.

Os terrenos onde estão localizados os motéis são avaliados em mais de R$ 20 milhões, sendo duas aquisições recentes de imóveis de alto padrão: um de R$ 1,8 milhão, comprado em 2021, e outro de R$ 5 milhões, adquirido em 2023. A reportagem tentou contato com os administradores desses motéis, mas não obteve retorno.