PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A Netflix exibe “Devo”, um documentário sobre a história e legado de uma das bandas mais importantes da história do rock. Bem no início do filme, um dos criadores do grupo, Gerard Casale, diz: “Acho que somos uma das bandas mais incompreendidas que já existiram”, e é difícil não concordar com ele.
O Devo não surgiu como projeto musical, mas como conceito que poderia ser empregado em qualquer forma de expressão artística. No início dos anos 1970, Casale e seus comparsas Mark Mothersbaugh e Bob Lewis, colegas da Universidade Kent State, em Ohio, elaboraram a teoria da “De-evolução”, segundo a qual a sociedade não estava progredindo, mas regredindo a estágios mais primitivos. Foi a base de toda a obra do Devo.
O evento mais marcante para a trajetória do Devo foi o conflito ocorrido em 4 de maio de 1970 entre soldados da Guarda Nacional americana e estudantes de Kent State que protestavam no campus contra a Guerra do Vietnã. Quatro alunos, incluindo dois colegas de turma de Mothersbaugh e Casale, foram mortos por tiros disparados pelas tropas.
Batizado de O Massacre de Kent State, o conflito foi eternizado na canção “Ohio”, composta por Neil Young e gravada pelo grupo Crosby, Stills, Nash & Young. “Aquelas mortes nos mostraram que a sociedade estava realmente regredindo e que nossa teoria estava certa”, diz Mothersbaugh no filme.
Depois de tentativas de empregar a “De-evolução” em projetos de artes visuais, Casale, Lewis e Mothersbaugh fundaram o Devo em 1973 como projeto musical, criando um som experimental e inovador que fundia música eletrônica e rock com letras sobre os temas que lhes fascinavam: a sociedade de consumo, a propaganda, a relação do homem com as máquinas, o poder emburrecedor da TV, a religião organizada e a crescente complacência humana em face de violências perpetradas por governos.
O irônico é que a música antissistema do Devo logo se tornou um imenso sucesso de público e canções como “Jock Homo”, “Whip It” e “Freedom of Choice” passaram a tocar nas rádios e na programação da MTV. “Nossa ideia de corroer o sistema por dentro estava funcionando”, diz Casale.
Graças a videoclipes divertidos e visualmente impactantes quase todos dirigidos pelo próprio Casale e a canções dançantes e animadas que se tornaram sucesso em pistas de dança, o Devo logo foi incorporado à geração new wave do início dos anos 1980, que incluía nomes como Blondie, Billy Idol, B-52s, Duran Duran, The Cars e muitas outras. A massa de consumidores não conseguia enxergar o radicalismo da obra do Devo.
O documentário exibido pela Netflix foi dirigido pelo americano Chris Smith, que fez ótimos filmes, um sobre o ator Jim Carrey interpretando o comediante Andy Kaufman, “Jim e Andy”, outros sobre o fracassado festival de música “Fyre” e sobre o duo pop “Wham!”.
Smith acerta a mão ao usar uma narrativa fragmentada e repleta de imagens de arquivo que complementam a trajetória da banda, como cenas de velhos comerciais de TV e imagens de políticos, líderes religiosos e celebridades. O Devo foi uma banda que escreveu sobre o seu tempo e é impossível dissociar as músicas da realidade social e política do período.
É impressionante perceber também como a banda antecipou tendências da indústria musical. Em 1976, cinco anos antes do surgimento da MTV, o Devo já filmava videoclipes de suas músicas, acreditando que a televisão, com sua força avassaladora, competiria com o rádio como forma de divulgação.
Quando a MTV finalmente estreou, em agosto de 1981, o Devo foi dos artistas mais beneficiados, porque a banda já tinha clipes de músicas como “(I Cant Get No) Satisfaction”, “Come Back Jonee”, “The Day My Baby Gave Me a Surprise”, “Whip It”, “Girl U Want”, “Freedom of Choice” e “Beautiful World”, e todas essas canções entraram na programação da emissora.
DEVO
– Onde Disponível na Netflix
– Classificação Não informada
– Direção Chris Smith