RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Ao menos 2.000 pessoas morreram devido a engasgo em 2023 no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados no portal Atlas da Educação. Depois dos idosos, crianças de 0 a 3 anos são o grupo com o maior número de óbitos, 319.

Os pequenos são mais vulneráveis ao engasgo por duas razões: a dificuldade de controlar a mastigação e o hábito de levar pequenos objetos à boca. Para eles também é mais difícil perceber quando ocorre o engasgo. Enquanto os adultos levam as mãos ao pescoço logo que sentem a obstrução, bebês e crianças não demonstram reflexos tão rápidos e nítidos.

Enfermeiro e diretor de uma empresa que fabrica simuladores para treinamento em primeiros socorros, Paulo Sampaio afirma que perceber situações de engasgo na fase da primeira infância é um desafio.

“Se acabou de amamentar e percebeu o bebê sem respirar, sem movimento da barriga, os lábios roxos são sinais de engasgo”, diz. A ação tem que ser ainda mais rápida, ele acrescenta, pois nas crianças ocorre primeiro a parada respiratória para, então, ocorrer uma parada cardíaca.

O engasgo em bebês pode acontecer diante da ânsia em começar a mamar, quando há dificuldades na pega ou mesmo quando o bebê não foi colocado para arrotar adequadamente. “Antes de seguir para o estômago o alimento fica um tempo no esôfago, órgão que conduz, pouco a pouco, a comida da boca até o estômago. Enquanto o alimento está no esôfago ele pode retornar e provocar o engasgo no bebê.”

O engasgo se dá com a entrada de alimento ou de algum objeto nas vias aéreas. O pescoço humano possui dois tubos, sendo um que conduz o ar do nariz até o pulmão e outro que leva o alimento até o estômago. O acesso a esses tubos é controlado pela faringe. Uma vez na boca, a língua empurra a comida para trás, e o palato mole evita que ela chegue o nariz. Quando o alimento escapa para as vias aéreas ocorre o engasgo. Em geral, a pessoa tosse e expulsa o alimento. Se mesmo ao tossir o alimento continuar na via aérea, é preciso agir rápido.

A manobra de Heimlich é o procedimento mais eficiente e mais recomendado pelos órgãos médicos para reverter esse quadro.

“Deve-se colocar a criança de pé, checar sinais de lucidez; se não responder, deve-se virar a criança e dar cinco tapas nas costas, entre as clavículas. Em seguida, vire a criança de frente e realize cinco compressões no peito. É preciso fazer essa manobra até a criança desengasgar ou perder a consciência de vez e iniciar o protocolo de reanimação cardíaca”, explica Sampaio.

O enfermeiro lembra ainda que é essencial chamar o socorro antes de iniciar a manobra, pois, dependendo do tempo que a vítima ficar sem respirar, pode precisar de atendimento médico.

Apesar de ser um procedimento que todo mundo é capaz de realizar, ainda é comum que muitas pessoas não saibam como agir e sejam tomadas pelo desespero. “Uma mãe, por exemplo, precisa ter conhecimento em primeiros socorros. A situação é equivalente a uma pessoa que está se afogando, exige ação rápida. Os primeiros socorros treinam para lidar com o medo, chamar o socorro e realizar a manobra”, afirma.

Uma morte por engasgo é uma morte evitável. A pessoa mais adequada para socorrer quem está sofrendo engasgo é aquela que está ao lado da vítima. Para superar essa lacuna, Sampaio defende que “os conhecimentos em primeiros socorros sejam ensinados na educação básica, assim como matemática e português”.

O Brasil teve um avanço nesse sentido com a aprovação, em 2018, da lei 13.722, conhecida como Lei Lucas, que obriga escolas públicas e privadas e outras instituições que lidam com crianças a capacitar até um terço dos seus profissionais em primeiros socorros. O estado de São Paulo saiu na frente, com a aprovação, ainda em 2015, da lei 15.661.

A Lei Lucas é fruto da comoção em torno da morte, em 2017, do garoto Lucas Zamora, de 10 anos. Durante uma excursão escolar, a criança de Cordeirópolis (SP) se engasgou ao comer um cachorro-quente. A mãe do garoto, a advogada Alessandra Begalli Zamora de Souza, transformou o luto em ativismo e até hoje se dedica a conscientizar as pessoas sobre a importância do treinamento em primeiros socorros.

Uma década após a implementação da lei estadual, porém, a socorrista e palestrante Andreia Zamora, tia de Lucas, avalia que a medida não pegou e que as instituições se prendem à ideia de que ter um enfermeiro no quadro de funcionários resolve a questão. “E se o enfermeiro faltar, se estiver em outro setor?”, questiona ela, que também é ativista da causa e defende maior controle e fiscalização.