MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse nesta quinta (25) pela primeira vez que não pretende disputar eleições quando o conflito com a Rússia for encerrado. “Eu quis muito, num período muito difícil, estar com meu país, ajudar meu país. Meu objetivo é acabar com a guerra”, disse.

Em entrevista ao site americano Axios, o ucraniano afirmou que “se nós acabarmos com a guerra com os russos, sim, eu estou pronto para não disputar porque não é meu objetivo, eleições”.

A fala de Zelenski ocorreu um dia depois de ele encontrar-se com Donald Trump, que já o chamou de “ditador sem eleições” em um dos momentos de agressividade aberta do presidente americano com seu colega.

A questão eleitoral é complicada para Zelenski. Como a Ucrânia entrou em lei marcial ao ser invadida pelos russos em 24 de fevereiro de 2022, pela Constituição local os pleitos foram suspensos.

O mandato de Zelenski venceu em maio do ano passado, e a partir daí Vladimir Putin passou a insistir na hipótese de que o rival não teria legitimidade para negociar um acordo de paz, chegando a sugerir que o Parlamento do vizinho o removesse do cargo.

A resposta do ucraniano é óbvia, citando a legislação local. Mas o fato é que a pressão doméstica sobre seu apetite pelo poder gera estranhamentos de tempos em tempos. Em agosto, quando tentou tirar poderes de agências investigativas anticorrupção, Zelenski enfrentou os primeiros protestos grandes de rua desde o início da guerra, sendo obrigado a recuar.

Segundo disse à Folha no ano passado seu biógrafo Simon Shuster, o presidente terá grandes dificuldades, por sua natureza, de largar o osso do poder absoluto que hoje exerce. E isso gera reverberações na política local, além da atenção retórica do Kremlin —Putin chegou a exigir novas eleições na lista de demandas enviada a Kiev para um acordo de paz.

O presidente segue popular. Segundo pesquisa feita em setembro pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, 59% dos ucranianos confiavam em Zelenski, ante 34% que diziam o contrário.

Por outro lado, sua vitória não é considerada uma barbada, em caso de a guerra acabar e o pleito ser retomado. O principal desafiante, segundo pesquisas de opinião, é o ex-chefe das Força Armadas, Valeri Zalujni.

O general é extremamente popular entre soldados e civis, e foi exonerado no ano passado devido a divergências públicas com Zelenski, que insistiu numa contraofensiva muito ampla em 2023 que acabou fracassando e custando a iniciativa de Kiev em seu próprio solo.

Na quarta (24), Zalujni fez sua primeira avaliação pública da polêmica incursão ucraniana na região de Kursk, no sul russo, em agosto do ano passado. Por oito meses, as forças de Zelenski mantiveram um pequeno pedaço do território sob seu controle, na esperança de ter mais uma ficha de barganha em caso de negociação.

A tática falhou, com alta perda de pessoal e equipamento de primeira linha. “O preço dessas ações são desconhecidos para mim, mas é óbvio que foram muito altos”, disse o agora embaixador ucraniano em Londres, em um artigo publicado no site Dzerkalo Tijnia.

A pretensão de retirar esforços de Putin de outros pontos da frente de batalha também não funcionou, até porque o russo recebeu o reforço de mais de 10 mil soldados da aliada Coreia do Norte para lutar na operação.

A guerra em si segue, com relatos de novos ataques com drones aquáticos ao porto de Novorrossisk, no sul russo, além de bombardeios contra a Ucrânia.

O Kremlin comentou também nesta quinta a afirmação de Trump de que a Ucrânia poderia retomar todo o território perdido, cerca de 20% de sua área total incluindo a Crimeia anexada em 2014, algo que analistas creem ser impossível.

Segundo o porta-voz Dmitri Peskov, a percepção é errada, mas ele manteve a porta aberta a Trump dizendo crer que o americano deseja a paz.

Já o ex-presidente Dmitri Medvedev, hoje no Conselho de Segurança russo, foi fiel a seu estilo radical. “A Rússia pode usar armas para as quais um abrigo antibomba não vai servir. E os americanos deveriam lembrar disso”, escreveu em redes sociais.

O jornalista viaja a convite da Rosatom