RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Sem óculos, touca e apenas de sunga, Jincheng Guo salta na piscina. Se o chinês já chamava a atenção ainda no bloco de partida pela ausência de traje tecnológico ou outro material, quando seu corpo entra em contato com a água, uma nova surpresa. Ele atravessa os 50 m deslizando, quase submerso.

“A técnica dele proporciona uma flutuação perfeita, uma biomecânica perfeita de nado para fazer esse tipo de bolha, então realmente é uma coisa que nesta quinta-feira (25) em dia o mundo estuda para tentar replicar”, afirma Livia Prates, coordenadora técnica de esportes paralímpicos do Vasco.

Guo se tornou um fenômeno na natação paralímpica com a técnica da “bolha de ar”. É possível ver apenas seus pés batendo em velocidade, num ritmo acelerado. No Mundial de natação paralímpica, em Singapura, foram quatro pódios, sendo três medalhas de ouro e uma de prata até aqui.

O chinês, que não tem os braços, nada na classe S5, que é voltada a atletas com limitações físico-motoras.

O nadador da China realmente é muito acima da média, é uma coisa que intriga o mundo no sentido positivo da biomecânica do nado. Ele é biamputado de braço, então a propulsão dele é só com o “core” mesmo, o tronco, e a propulsão da perna.

“Ele faz os 50 metros sem respirar, e ele consegue ficar nem tão acima e nem tão abaixo do nível da água, que faz aquela bolha de ar. E vendo o vídeo, os resultados, a gente prova que aquilo é, realmente, eficient”, diz Livia.

Segundo Victor Schildt, professor de MBA em infraestrutura esportiva e diretor da Recoma — empresa especializada em piscinas olímpicas e que utiliza as mesmas estruturas das Olimpíadas Rio-2016 e Pan-Americano Lima-2019 —avalia que Guo consegue juntar diversos fatores que diminuem a resistência da água, causando o efeito que pode-se ver nas competições.

“A água tem uma força chamada tensão superficial que faz com que objetos menos densos flutuem. No caso da natação paralímpica, quando o atleta permanece submerso, ele reduz o arrasto de onda, por não possuir os membros superiores, diminuindo sua área frontal.

Essa é uma das três formas de resistência enfrentadas na água. As outras duas são o arrasto de forma, que diminui porque o atleta apresenta uma área corporal menor ao nadar, trazendo uma melhor hidrodinâmica; e o arrasto por fricção, que pode ser minimizado ao raspar os pelos do corpo, cortar o cabelo ou até mesmo ao não utilizar óculos e touca. Esses fatores são os principais diferenciais técnicos do atleta”, diz Victor.

O uso de traje tecnológico é fundamental na natação, tanto olímpica ou paralímpica. Para se ter uma ideia, Cesar Cielo ainda detém o recorde dos 50m livre, obtido em 2009, e na época usou um traje que cobria uma maior parte do corpo —agora os homens podem usar apenas um tipo de bermuda.

O traje tecnológico diminui a resistência da água e também aumenta a flutuabilidade do competidor. A touca também tem essa função de ajudar na diminuição do atrito com a água e os óculos já foram incorporados como acessório indispensável há muito tempo. Assim, Guo consegue ser veloz sem todos esses itens.

FAÇANHA NAS PISCINAS

No Mundial, Guo já foi campeão nos 50 m livre, 50 m borboleta e 200 m medley, além de prata nos 50 m costas e no revezamento 4 x 50 m medley 20 pontos

Nos Jogos Paralímpicos de Paris, o UOL conversou com o Coach Alex Pussieldi, comentarista de natação do Grupo Swim Channel, que falou sobre a técnica.

Ele nada exatamente na linha da superfície, então ele não tem o rompimento de superfície como os outros, a única coisa que rompe a superfície dele é o splash da perna dele. Os trajes tecnológicos continuam sendo muito importantes, e ele não utiliza, assim como a touca. Isso chama a atenção. Ele é o único da competição a fazer isso. Ele é, realmente, um fenômeno.Coach Alex Pussieldi

‘ESTOU SEM ACREDITAR’

Guo se tornou tão fenomenal que uma vitória sobre ele faz até mesmo os atletas duvidarem como aconteceu. Foi o caso da brasileira Mayara Petzold, que “segurou” o chinês na reta final do revezamento 4 x 50 m medley 20 pontos e garantiu o ouro — o time contou ainda com Samuel Oliveira, Tiago Oliveira e Alessandra Oliveira.

Eu estou até agora sem acreditar como foi que eu ganhei dele (risos). Não sei, só Deus! Eu estou de cara. Fiz o melhor tempo da minha vida e estou muito feliz. A ficha não caiu. Nadamos muito muito bem, demos tudo o que tínhamos e está aí o resultado.Mayara Petzold ao Comitê Paralímpico Brasileiro

Tiago Oliveira, rapidamente, brincou: “Passa a dica para o Muka, agora”, em referência a Samuel Oliveira, o Samuka, que nada na Classe S5, a mesma de Guo, e tem tido duelos grandes com o chinês na piscina.