SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em São Paulo, 60% das empreendedoras negras ganham até um salário mínimo com seu negócio, segundo estudo do Instituto Locomotiva. Em contraste, apenas 22% dos homens brancos empreendedores estão nessa faixa de renda. No extremo oposto, somente 5% das mulheres negras empreendedoras faturam acima de quatro salários mínimos, enquanto 21% dos homens brancos atingem esse patamar.
Entre as mulheres brancas empreendedoras, 33% recebem até um salário mínimo e 16% ganham mais de quatro salários mínimos. Já entre os homens negros empreendedores, 22% permanecem na faixa de até um salário mínimo.
O levantamento foi feito com metodologia mista. O estudo incluiu pesquisa quantitativa com 500 entrevistadas e fases qualitativas como grupos de discussão e imersão etnográfica, realizadas entre 9 e 22 de abril de 2024, complementadas por dados secundários de diversas fontes como IBGE e outras pesquisas de mercado.
Os dados abrangem a região metropolitana de São Paulo, onde existem 473,4 mil mulheres negras empreendedoras. Ao compará-las com outros perfis, a pesquisa revela as desigualdades em renda, formalização e estrutura dos negócios, enfatizando a interseccionalidade de raça, gênero e classe social.
A maioria dessas empreendedoras (78%) trabalha sozinha, e apenas 27% possuem CNPJ, o que indica alta informalidade e precariedade em comparação a outros grupos: 45% das mulheres brancas e 43% dos homens brancos têm registro formal. Somente 9% são empregadoras formais.
Apenas 24% possuem funcionários remunerados, percentual que sobe para 41% entre aquelas que têm CNPJ. A maioria também visa ampliar o negócio no futuro (70%), número que aumenta para 79% entre as formalizadas.
Em relação à estrutura física, 55% não possuem estabelecimento para o negócio, realidade que se inverte entre empreendedores brancos, cuja maioria (57% dos homens e 54% das mulheres) tem local definido.
A pesquisa revela que, embora as empreendedoras com maior escolaridade e renda demonstrem forte comprometimento 70% desejam ampliar seus negócios, a vulnerabilidade financeira é uma constante.
Apenas 41% conseguem cobrir os custos dos negócios todos os meses com o faturamento, e só 12% teriam reservas para se manter por seis meses ou mais caso parassem de trabalhar. Entre as empreendedoras, 18% disseram que não conseguiriam se manter por nenhum período ou por menos de um mês se tivessem que parar de trabalhar hoje.
Para 35%, o lucro é sempre suficiente para cobrir as despesas pessoais e familiares. No entanto, apenas 9% conseguem poupar todos os meses para realizar objetivos pessoais, como viajar ou comprar um imóvel. A solução para esse cenário, segundo a pesquisa, seria capacitação, linhas de crédito facilitadas, consultoria especializada, redes de apoio e ferramentas de gestão.
EMPREENDEDORISMO POR NECESSIDADE
O empreendedorismo para essas mulheres é, em grande parte, impulsionado pela necessidade: desemprego, dificuldade de reinserção no mercado de trabalho formal, necessidade de complementar a renda, além do papel de gênero de cuidadoras. Muitas se viram obrigadas a deixar o emprego formal devido a situações de assédio.
A maternidade e a dificuldade de conciliar longos deslocamentos com a criação dos filhos são fatores determinantes, fazendo com que o trabalho em casa, mesmo informal, seja uma opção racional.
“Essas mulheres não estão escolhendo o empreendedorismo porque estão se iludindo. Elas também fazem um cálculo racional sobre a própria vida, sobre como o trabalho CLT se encaixa nela ou não”, diz Clara Castellano, diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva.
O empreendedorismo é percebido como uma alternativa vantajosa em comparação com experiências de trabalho anteriores. Os benefícios percebidos incluem: realização pessoal e autonomia, flexibilidade de horário, menor submissão e potencial aumento de ganhos.
A pesquisa aponta que muitas empreendedoras iniciam seus negócios por urgência, sem tempo para planejamento prévio. A especialização acontece na prática: 23% afirmaram ter buscado se especializar no tema antes de abrir o negócio, 42% foram se especializando no processo e 34% ainda não conhecem bem a área em que atuam.
Para Castellano, é preciso desmistificar tanto a visão romantizada sobre empreender quanto a da desqualificação, de que são pessoas iludidas. “Embora percebam benefícios do empreendedorismo, também é um percurso desafiador”, diz. “É importante olhar para essas mulheres empreendedoras entendendo de onde elas vêm, o seu contexto, sem tratá-las como se não tivessem escolha ou racionalidade nos seus caminhos.”