SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O corre-corre começa cedo na principal região de comércio popular de vestuário do país. Pontualmente às 7h, agentes da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) iniciam a varredura para recolher mercadorias de vendedores ambulantes no Brás, distrito da região central da cidade de São Paulo.

Ao perceberem a aproximação, camelôs embrulham roupas em pedaços de lona, colocam manequins de plástico sobre os ombros e tentam desaparecer adentrando portas de galpões espalhados por vielas e becos perpendiculares às principais ruas de comércio.

Escoltado por 30 policiais militares, o serviço de “Apoio à Remoção” da prefeitura circula lentamente com um pequeno caminhão e um furgão. Assim que o “rapa” passa, pequenas bancas com blusinhas e vestidos são recolocadas nas calçadas.

Os eventos acompanhados pela reportagem na terça-feira (16) se repetem quase diariamente. A gestão Nunes diz ter intensificado em agosto operações para coibir o comércio irregular.

Trabalhadores informais afirmam que a repressão começou antes, ainda em 2024, meses após o coronel reformado da Polícia Militar Marcus Vinicius Valério ter assumido o cargo de subprefeito da Mooca, distrito da zona leste que faz limite com a região central e cuja área administrativa inclui o Brás.

O jogo de gato e rato eventualmente dá lugar a confrontos entre vendedores e forças de segurança –policiais militares e guardas municipais–, conforme mostram diversos vídeos publicados em redes sociais na internet.

No episódio mais grave, ocorrido em abril deste ano, o senegalês Ngange Mbaye, 34, foi morto com um tiro na barriga ao enfrentar policiais para tentar evitar a apreensão de um carrinho de mercadorias.

A prefeitura diz apurar eventuais excessos e a Secretaria de Segurança Pública, subordinada ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), não comentou.

Representantes dos ambulantes dizem que Valério tem sugerido em reuniões com a categoria a locação de espaços no Circuito de Compras Feira da Madrugada, um centro comercial criado por meio de uma concessão municipal ao setor privado. O empreendimento inaugurado em 2021 passou por dificuldades econômicas no início da operação e ainda lida com uma ociosidade de 35% dos espaços para locação.

Há no Tribunal de Contas do Município uma apuração sobre eventual prejuízo ao município causado pela concessão. O grupo que administra o centro de compras atribui à existência do próprio comércio informal parte da dificuldade em alcançar os resultados esperados.

A gestão Nunes confirma que a transferência para o shopping é apontada pela prefeitura como alternativa para que camelôs exerçam sua atividade legalmente. Essa oferta enfrenta resistência nas ruas.

Imigrantes encontram na informalidade do Brás uma porta de entrada para conseguir trabalho e renda. Eles representam grande parte dos camelôs do bairro e, em geral, relatam não possuir renda suficiente para alugar espaços no Circuito de Compras ou em algum dos shoppings populares da região.

Patrícia Gutiérrez, 25, é boliviana de Cochabamba. Está no Brasil há cinco anos. Com a filha de 2 anos em um carrinho de bebê, ela vende nas ruas peças de roupa que o marido costura. Nos últimos meses, o faturamento de R$ 150 por dia caiu para R$ 30. “Não dá para juntar dinheiro para alugar um box”, diz.

Trabalhadores ouvidos pela reportagem reportam valores de locações semanais que variam entre R$ 700 e R$ 3.000 nos shoppings, além do pagamento das chamadas “luvas”. A taxa única para aquisição de um ponto em que há boa frequência de público começa na casa dos R$ 50 mil e pode passar dos R$ 200 mil, segundo esses relatos.

O Circuito de Compras nega a existência da cobrança de luvas no local e a Alobrás (associação de lojistas) disse que não comentaria o caso.

À frente do Sindicato dos Ambulantes Brasileiros e Estrangeiros de São Paulo, Mauro César Cordeiro diz que a prefeitura se recusa a debater uma ampla regularização da atividade. Ele afirma haver mais de 100 mil trabalhadores no comércio informal na região, volume que ele diz ser impossível de ser absorvido pelos shoppings. O centro de compras oferecido pela gestão Nunes, por exemplo, tem um total de 4.000 boxes e 1.300 lojas.

Sem a possibilidade de vender nas ruas, trabalhadores informais têm relatado falta de dinheiro para as necessidade básicas, como comprar comida, diz Cordeiro. “A gente quer trabalhar, regularizado, pagando imposto.”

O comércio de rua em São Paulo pode ser exercido por pessoas que possuem o TPU (Termo de Permissão de Uso de Via Pública), mais conhecido como programa “Tô Legal”.

O vendedor Gilson Humberto, 56, reclama, porém, que a autorização não permite a atuação da maioria dos ambulantes nos endereços mais frequentados pelos clientes. “Querem colocar a gente longe.”

É para ficar perto da clientela que as angolanas Catarina Lubadica, 39, e Júlia Antônia, 22, têm passado os dias fugindo do rapa. Na apreensão mais recente, Antônia diz ter perdido mais de R$ 2.000. “A gente depende das vendas aqui para pagar aluguel e sustentar a família”, diz a jovem.

Elas reproduzem uma queixa recorrente sobre as apreensões: peças de roupas não são devolvidas mesmo com a apresentação dos lacres numerados entregues pela prefeitura no momento do confisco.

A gestão Nunes afirma manter os produtos disponíveis por 30 dias para a retirada mediante apresentação da documentação exigida. Camelôs, especialmente aqueles que vendem peças que confeccionam, dizem não conseguir reaver a mercadoria porque a subprefeitura não aceita notas fiscais dos tecidos utilizados na fabricação.

Com o cerco cada vez mais fechado, a presença de vendedores nas ruas vem caindo e o impacto dessa mudança na dinâmica do Brás já é percebida por quem vem de longe.

Lojista em Planaltina (DF), Suedna Pereira, 34, faz viagens quinzenais de ônibus para comprar nas ruas do Brás. “A minha maior preocupação é chegar a São Paulo em dezembro e não encontrar mercadoria para as vendas de fim de ano.”