SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) propôs a destinação de parte do financiamento climático internacional para o agronegócio. A posição consta no documento “Agropecuária Brasileira na COP30”, divulgado nesta quarta-feira (24), com as demandas da entidade para a conferência da Organização das Nações Unidas que será realizada em novembro em Belém.
“Temos a convicção de que a agricultura tropical é, sem dúvida, a oportunidade que melhor se apresenta de custo-efetividade para projetos e ações que possam ser encaminhadas com recursos do financiamento climático”, disse Muni Lourenço, presidente da comissão de meio ambiente da CNA, ao falar sobre a meta global de alcançar US$ 1,3 trilhão para conter as mudanças climáticas.
Marta Salomon, especialista sênior em políticas climáticas do Instituto Talanoa, criticou a exigência. “Esse dinheiro não é para produtores rurais brasileiros, é para financiar a adaptação e a redução das emissões de gases de efeito de estufa nos países mais pobres do mundo”, disse.
Em 2024, as nações reunidas na COP29 concordaram em mobilizar US$ 300 bilhões anuais, com o objetivo de chegar a US$ 1,3 trilhão. Cabe à COP30 mostrar o caminho para alcançar esse montante.
“Se eles estão pedindo uma parcela da meta global de financiamento climático, é uma bobagem, porque não é assim que funciona”, afirmou Salomon. “Tem muita gente na fila antes.”
Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da CNA, rebateu as críticas e afirmou que os repasses respeitariam o Acordo de Paris. “Esse dinheiro precisa chegar ao produtor rural, porque senão fica dentro de ministérios ou de ONGs que usam esse dinheiro para criar ‘soluções’ para o setor agropecuário”, disse à reportagem.
Em nota divulgada à imprensa, a CNA declarou que “considera fundamental que o financiamento climático chegue diretamente aos produtores rurais, facilitando a implementação de tecnologias de baixo carbono e contribuindo para dar escala às ações de mitigação e adaptação”.
O documento publicado nesta quarta diz que o agronegócio é um celeiro de soluções para a crise climática e foca na fragilidade diante do aquecimento global. Para a entidade, a transição justa “deve considerar o papel estratégico do setor agropecuário como fornecedor de alimentos e a vulnerabilidade na ocorrência de eventos climáticos”.
O texto não menciona a contribuição para as emissões brasileiras. O Seeg (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa) calcula que a agropecuária brasileira emitiu 631 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2023 -a maior quantidade já registrada-, correspondente a 27,5% do total nacional naquele ano.
“Está na hora da agropecuária entrar como grande aliada no combate ao aquecimento global, cortando as emissões, inclusive por desmatamento”, diz Salomon. “É um setor que pode se comportar de uma forma mais clara, e não só pedindo recursos para remediar uma situação em que contribui de forma tão forte.”
João Martins da Silva Junior, presidente da CNA, afirmou em evento de lançamento do documento: “Todo dia sai filme de exploradores de ouro e contrabandistas de madeira, mas nunca sai alguma coisa provando que é um produtor rural que está destruindo a mata”.
O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), da bancada ruralista, participou do encontro e disse que o agronegócio deve se impor nas discussões da cúpula em Belém. “A gente precisa sair na frente falando, porque senão, a conversa que vem de lá para cá, junto com órgãos governamentais, vai tomar conta e dominar o discurso da COP.”
Marinho afirmou que a agricultura familiar carece de produtividade e criticou a demarcação de terras indígenas e áreas de proteção ambiental no Pará. Ele defendeu a isenção de impostos para tratores agrícolas e afirmou que já conversou com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, sobre a proposta.
“Não temos absolutamente nada do governo, senão o Ibama e o ICMBio prendendo, queimando, fazendo tanta coisa. Lá no Pará a gente se arrepia quando vê”, disse, ao criticar a atuação dos institutos federais de fiscalização do uso de recursos naturais e conservação da biodiversidade.
A CNA também defendeu que a agropecuária seja reconhecida como capaz de gerar créditos de carbono, certificados de remuneração por redução ou remoção de uma tonelada de CO2e da atmosfera.
Salomon afirma que a demanda expressa uma contradição, pois o setor foi poupado de um limite anual de emissões na lei que estabeleceu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa. “Como não tem teto de emissão, também não poderia se beneficiar dos créditos de carbono”, diz.
Emendas ao texto garantiram que o setor possa gerar créditos. A legislação ainda precisa ser regulamentada.
O documento da CNA faz críticas à lei antidesmatamento da União Europeia, conhecida como EUDR. A entidade argumenta que não se deve legitimar “medidas comerciais unilaterais com justificativas climáticas, reconhecendo os impactos desproporcionais que tais instrumentos impõem aos países em desenvolvimento”.
Salomon afirmou que a legislação seria eficiente para reduzir emissões e o desmate. “A agropecuária está cuidando do seu bolso ao não querer nenhuma restrição de mercado a produtos, mesmo aqueles produzidos em área de desmatamento”, disse.
A CNA também colocou como prioridade o combate ao que chama de estigmatização dos agricultores da amazônia e pediu a criação de um mandato de agricultura tropical no Acordo de Paris.