BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A derrubada da PEC da Blindagem pelo Senado, dias após a aprovação da proposta pela Câmara dos Deputados, estressou a relação entre as duas Casas, fragilizou o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) até com seus aliados e causou um clima de ceticismo em torno de um possível acordo para redução de penas para os condenados pelos atos golpistas, com rejeição da anistia.

O conflito entre Câmara e Senado também alimentou um sentimento de desconfiança mútuo entre Motta e partidos à esquerda e à direita, com acusações de acordos não cumpridos de ambas as partes.

A PEC (proposta de emenda à Constituição) que condicionava processos criminais contra congressistas a uma autorização do Congresso foi aprovada com muito empenho de Motta, que ligou pessoalmente para os colegas para pedir que votassem a favor e mobilizou os líderes de partidos aliados para obter o apoio necessário.

Foram 344 votos a 133, uma vitória em um tema que nem Arthur Lira (PP-AL), considerado forte articulador político, tinha conseguido aprovar como presidente da Câmara. Mas o que seria uma demostração de força, após meses de contestação, virou um problema para Motta. A PEC foi derrubada por unanimidade pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça do Senado) nesta quarta-feira (24).

Quatro líderes de partidos dizem que a relação com Motta está abalada e que passaram a ser contestados internamente em suas bancadas sobre a autoridade do parlamentar à frente do plenário -e deles próprios como representantes dos seus partidos, já que foram fiadores do acordo com o presidente da Câmara.

No PDT, por exemplo, a posição favorável à PEC causou uma crise interna e o líder do partido na Câmara, Mário Heringer (MG), chegou a colocar o cargo à disposição. O compromisso de Motta com a esquerda era de que ele ajudaria a rejeitar um requerimento de urgência para a anistia em troca desse apoio, mas o presidente pautou o pedido e ainda trabalhou com o centrão para aprová-lo, em reação ao voto majoritário do PT contra a PEC.

Nesta quarta, o líder do PP, deputado Doutor Luizinho (RJ), um dos aliados mais próximos de Motta, abriu uma reunião com o relator do projeto da redução de penas, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), com críticas ao Senado e seu presidente, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Luizinho afirmou que houve um “comportamento errático” de Alcolumbre e do Senado sobre a PEC e que é “preciso garantir a efetividade” do que for aprovado pela Câmara. “Houve quebra de acordo do Senado”, reclamou. Ele defendeu que Paulinho alinhe antecipadamente o projeto da anistia ou redução de penas com os senadores, para evitar um novo episódio desses.

Paulinho, por sua vez, afirmou que vai buscar Motta e Alcolumbre para “refazer a relação com o Senado”.

“Tenho hoje uma desconfiança de que nós votamos aqui, o Senado segura. Então, é preciso que Motta assuma esse papel, de conversar com o próprio Davi [Alcolumbre]. Para que a gente possa pacificar essa relação entre Câmara e Senado, que eu acho que é o básico para poder votar [a redução de penas]. Não dá para pacificar o país se a Câmara e o Senado estão em guerra”, disse.

De acordo com deputados que acompanharam as negociações, Motta afirmou aos parlamentares que havia um acordo com Alcolumbre para levar a PEC direto ao plenário do Senado e aprová-la rapidamente, para que o desgaste não ficasse restrito à Câmara.

No dia que a Câmara aprovou a PEC, no entanto, Alcolumbre mandou o texto para a CCJ, já sob críticas de senadores e da opinião pública.

Os presidentes das Casas mantinham relação próxima desde o começo do ano, quando foram eleitos para os cargos, e o deputado tinha no senador um de seus principais aliados. Pessoas próximas a Motta dizem que o episódio desgastou a relação, com relatos de que Alcolumbre sequer atendeu a ligações do deputado. Eles não se encontraram nesta semana.

Aliados do presidente do Senado negam a existência desse acerto. Um interlocutor dos dois políticos minimiza o incidente. Ele diz que havia o acordo, mas que a pressão da sociedade civil contrária ao projeto fez com que o Senado perdesse as condições para tratar do tema. Milhares de pessoas foram às ruas no domingo, numa mobilização convocada pela esquerda.

O tamanho das manifestações pegou de surpresa a cúpula da Câmara, que não esperava atos de grande dimensão -em São Paulo e no Rio, o público foi estimado em mais de 40 mil pessoas cada. Além disso, houve pressão da sociedade civil também no ambiente digital, e parte dos deputados precisou gravar vídeos para pedir desculpas pela posição a favor da proposta.

Agora, eles afirmam que dificilmente seguirão a orientação de Motta em votações de temas considerados impopulares -principalmente pela proximidade das eleições.

Isso se aplica ao projeto da redução de penas dos condenados pelos ataques golpistas. Segundo parlamentares ouvidos pela reportagem, há uma desconfiança de que o Senado trave a proposta eventualmente aprovada na Câmara.

Motta está num impasse: se comprometeu com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) a não aprovar uma anistia, mas o PT se opôs ao acordo para reduzir as penas em troca de rejeitar o perdão ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Com isso, o presidente da Câmara dependerá apenas do centrão para aprovar o projeto, e aliados temem que o grupo não seja unido o suficiente diante da pressão das redes sociais.

Em reunião com Paulinho nesta quarta, o líder de um partido disse que perdeu seis mil seguidores apenas por faltar à votação da urgência para a anistia. Segundo ele, pelo menos três deputados da sua bancada são contra o perdão, mas votariam a favor com medo dos eleitores.

Aliados de Paulinho recomendam que o projeto só vá a voto se houver compromisso de que PL não apresentará requerimento para decidir no voto entre a anistia e a redução de penas. Eles, contudo, acreditam que o presidente da Câmara não tenha influência e força sobre o partido para evitar isso. Cardeais do centrão concordam que ninguém mais terá controle do processo quando o texto for a voto.

Apesar desse impasse, três aliados de Motta dizem que nenhum projeto deverá avançar neste momento, por causa das sanções aplicadas pelo governo Donald Trump ao entorno do ministro Alexandre de Moraes, que é o relator no STF dos processos contra os atos golpistas.

O governo americano anunciou, na segunda (22), a inclusão da advogada Viviane Barci de Moraes, mulher de Moraes, e da empresa que pertence à família do magistrado na lista de sancionados pela Lei Magnitsky. Isso ocorreu apesar das tratativas com o Supremo para rejeitar a anistia e manter Bolsonaro em prisão domiciliar após condenado, por causa da idade e condições de saúde.

Nas palavras de um desses deputados, é preciso esperar baixar a poeira da repercussão dessa sanção para, num segundo momento, retomar as negociações para aprovar um texto acordado por todos.