BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O dólar está em alta nesta quarta-feira (24) à medida que o mercado volta a ter os juros dos Estados Unidos como foco norteador das negociações.

Jerome Powell, presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano), fez declarações consideradas cautelosas na véspera sobre o ciclo de afrouxamento monetário, sinalizando que novos cortes não estão garantidos.

A recalibragem nas expectativas está levando à valorização do dólar globalmente, e o Brasil segue o movimento. Às 14h33, a moeda avançava 0,79%, a R$ 5,319, depois de ter cedido mais de 1% na terça-feira e alcançado R$ 5,277 -menor valor desde junho de 2024.

Já a Bolsa marcava queda de 0,18%, a 146.158 pontos, depois de ter renovado o recorde histórico pela sétima vez no mês no pregão anterior.

Contrariando as expectativas do mercado, Jerome Powell usou de seu discurso na terça-feira para impor cautela entre os agentes financeiros. Novos cortes de juros, disse ele, não estão garantidos.

Isso porque os diretores de política monetária do Fed estão em uma sinuca de bico: ou priorizam o combate à inflação, ou protegem empregos.

Se a taxa de juros for afrouxada “de forma muito agressiva”, corre-se o risco de “deixar o trabalho da inflação inacabado e precisar reverter o curso” novamente, a fim de levá-la à meta de 2%. Por outro lado, manter as taxas restritivas por muito tempo significaria que “o mercado de trabalho poderia enfraquecer desnecessariamente”.

“Os riscos de curto prazo para a inflação estão inclinados para cima e os riscos para o emprego para baixo -uma situação desafiadora”, disse Powell em Rhode Island. “Quando nossos objetivos estão em tensão como esta, nossa estrutura nos chama para equilibrar ambos os lados de nosso mandato duplo.”

O Fed cortou na quarta-feira passada (17) os juros americanos em 0,25 ponto, para a faixa de 4% a 4,25%, em meio a sinais de fraqueza no mercado de trabalho, inflação resiliente e dados modestos envolvendo o impacto das tarifas. Foi o primeiro corte no ano, em meio à briga do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por uma política monetária menos restritiva.

O tom de cautela levou o mercado a recalcular a rota. “Está resultando em uma leve alta nos títulos do Tesouro americano, os ‘treasuries’, e isso tem favorecido o bom desempenho do dólar globalmente”, diz Leonel Mattos, analista de Inteligência de Mercado da StoneX.

O rendimento do treasury de dez anos -referência global para decisões de investimento- subia 0,5%, a 4,141%. O índice DXY, que compara o desempenho do dólar a uma cesta de moedas fortes, avançava 0,61%, a 97,82 pontos.

Ainda que tenha acontecido na véspera, o discurso de Powell segue ditando os mercados globais pela “falta de fatos ou indicadores novos que possam orientar as negociações”, diz Mattos. “Com isso, temos uma extensão dos movimentos de ontem.”

No Brasil, especificamente, a política monetária dos Estados Unidos foi um tema lateral na sessão de terça-feira. O foco esteve voltado aos discursos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) e, principalmente, ao aceno ao diálogo por parte do republicano ao brasileiro.

Foi a primeira vez que ambos os líderes ficaram no mesmo ambiente desde que Trump aplicou sanções ao Brasil, em maio, e, antes de deixar o púlpito, o americano afirmou que irá se encontrar com Lula na próxima semana.

Trump afirmou que houve “excelente química” entre os dois durante o breve encontro na sede das Nações Unidas. “Eu só faço negócios com pessoas que eu gosto. E eu gostei dele, e ele de mim. Por pelo menos 30 segundos nós tivemos uma química excelente, isso é um bom sinal”, disse, após o discurso de Lula.

A possibilidade de um encontro -e, principalmente, de uma desescalada de tensões comerciais, políticas e diplomáticas- deu fôlego para as cotações, levando o dólar à mínima em mais de um ano e a Bolsa a um novo recorde de fechamento e outro durante o período de negociações, de 147.178 pontos.

“Abre-se caminho para o que não tinha acontecido até agora: Trump sentando à mesa para conversar com o Brasil. Pode ter uma flexibilidade nas tarifas de 50%, aumento da lista de isenção… Ele disse pouco, mas é uma sinalização muito valiosa”, diz Daniel Teles, especialista e sócio da Valor Investimentos.

O encontro aconteceu um dia após o governo Trump ampliar as sanções a autoridades brasileiras e ao entorno do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em reação à condenação de Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos de prisão.

Ao citar o julgamento do ex-presidente no discurso, Lula defendeu a legitimidade do processo. “Bolsonaro teve amplo direito de defesa. Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam”, disse, em alfinetada a Trump. Ele voltou a dizer que “nossa democracia e soberania são inegociáveis”.

Para José Áureo Viana, sócio da Blue3 Investimentos, o “discurso de Lula reafirmando a defesa da democracia e críticas a sanções unilaterais foi lido como esperado”.

“Na prática, a combinação das falas [dos dois presidentes] ajudou a criar um ambiente de alívio, reforçando a percepção de estabilidade institucional no curto prazo.”