BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – A pouco mais de 40 dias da chegada de chefes de Estado e de governo para os primeiros eventos oficiais da COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, moradores da periferia de Belém se veem excluídos de projeto de macrodrenagem de canais, convivem com alagamentos em área vizinha às obras e aguardam definições sobre os rumos das intervenções previstas para avanço do saneamento.

O Governo do Pará, com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) superior a R$ 1 bilhão, realiza um conjunto de obras para drenagem e infraestrutura de 12 canais em áreas periféricas, dentro do escopo de intervenções previstas para a COP30. Pelo menos cinco trechos já foram concluídos e vistoriados, segundo a gestão estadual.

Em parte desses canais, porém, moradores dizem ter sido excluídos do projeto. E relatam uma ampliação de alagamentos, com o transbordamento do canal, em razão das obras em curso nas áreas adjacentes.

É o caso das obras de macrodrenagem e saneamento nos bairros de Benguí e Marambaia, nas proximidades do estádio do Mangueirão.

Segundo o Governo do Pará, o atual índice de execução das obras é de 94%. Nos canteiros dos trabalhos, havia pressa para a conclusão do empreendimento, como a reportagem constatou na região. O projeto, porém, excluiu até agora um canal adjacente, o São Joaquim, que fica perpendicular e de frente para as obras quase concluídas.

Moradores dizem que nada foi feito na área do canal São Joaquim, onde vivem famílias de baixa renda. Os canais visíveis e que já sofreram intervenção estão em uma área de condomínios com casas de alto padrão.

Em nota, o Governo do Pará afirmou que as etapas previstas incluem dragagem integral, macrodrenagem e manutenção contínua, e que a conclusão dessas etapas representará uma “solução definitiva” para alagamentos observados após o início das obras. “Essas ações já estão previstas no projeto Perna Norte, em andamento e fase de estudo técnico”, disse.

O governo paraense afirmou que não há privilégio a trechos onde estão condomínios com casas de alto padrão -os canais já existiam antes da instalação desses empreendimentos imobiliários, conforme a administração estadual.

Documentos do projeto mostram que o canal São Joaquim está incluído no escopo do empreendimento.

O documento sobre desapropriações cita o canal: “O canal São Joaquim está localizado no encontro dos canais Benguí e Marambaia”. A especificação técnica tem um item chamado “dragagem do canal São Joaquim.” Na proposta financeira apresentada pelo consórcio responsável, foi especificado o valor a ser gasto com a dragagem: R$ 1.413.071,00.

No canal Caraparu, que fica em outro ponto de Belém, no bairro Guamá, as obras não devem ficar prontas a tempo da COP30. A gestão de Helder Barbalho (MDB) diz que 62% dos serviços foram concluídos. O governo já demoliu dezenas de casas para garantir o fluxo da água -a previsão é “remanejar” 595 imóveis.

Nos canais de Mártir e Murutucu, também com previsão de demolições e com ritmo lento, a execução até agora é de 70%, segundo o governo estadual.

“Os trabalhos estão dentro do cronograma previsto”, afirmou, em nota.

As intervenções em Benguí e Marambaia são uma responsabilidade do consórcio integrado pela J A Construcons. O contrato assinado é de R$ 123,4 milhões. A empresa é suspeita de um “sofisticado mecanismo de lavagem de dinheiro”, conforme investigação da PF (Polícia Federal).

A PF afirma que a J A Construcons pertence ao deputado federal Antônio Doido (MDB-PA) -a empreiteira está formalmente no nome da mulher dele, Andrea Costa Dantas, que assina o contrato da COP30.

Segundo a investigação, Doido liderou uma organização criminosa responsável por saques de R$ 48,8 milhões em um ano e meio, com a constituição de um grupo armado formado por PMs do Pará. O caso é investigado em inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal). De 2020 a 2024, a J A recebeu R$ 633 milhões do governo de Barbalho, a partir de contratos assinados com a gestão estadual.

Procurada, a defesa da J A Construcons disse que não vai se manifestar.

Reportagens publicadas pela Folha mostraram que parte do dinheiro serviu para a compra de armamentos pesados, como um fuzil, e que o grupo tinha influência junto ao comando-geral da PM e a secretarias da gestão Barbalho, conforme um relatório da PF.

Na rua do canal São Joaquim, adjacente às obras nos canais Benguí e Marambaia, moradores dizem ter ouvido, no começo do ano, a promessa de que o São Joaquim passaria por uma reforma, inclusive com uma elevação de nível, para contornar o problema dos alagamentos. A placa das obras está bem na esquina da rua, mas as máquinas não chegaram à via.

Alguns moradores reclamam do nível das pontes construídas nas adjacências e atribuem a isso a intensificação de alagamentos durante a execução das obras.

“As intervenções em andamento contribuem diretamente para o escoamento hídrico do bairro do Una, onde reside uma população numerosa e de baixa renda, que historicamente sofre com alagamentos”, disse o Governo do Pará. O mesmo se aplica ao canal Benguí, também em área periférica, afirmou.