BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Oceanos absorvem 90% do excesso de calor causado pela atividade humana. A tarefa hercúlea de estabilização, porém, já está comprometida: a acidificação se tornou uma ameaça à vida marinha. É o sétimo de nove limites planetários de manutenção da vida na Terra superados pelo aquecimento global, de acordo com relatório do Instituto Potsdam de Pesquisa do Impacto Climático (PIK, na sigla em alemão).

Desde o início da era industrial, o ph da superfície dos oceanos caiu e se tornou de 30% a 40% mais ácido, comprometendo sucessivos ecossistemas marinhos, em uma espécie de efeito dominó: as conchas de pequenos caracóis, chamados pterópodes, já são muito afetadas, assim como corais de água fria, recifes de corais tropicais, a vida marinha do Ártico e a partir daí toda a cadeia alimentar, incluindo o último da fila, o homem.

Pesquisadores liderados pelo PIK checam anualmente nove variáveis vitais para a humanidade, conjunto que o instituto chama de fronteiras planetárias. É o lado científico da iniciativa Planetary Guardians, formada por cientistas e personalidades, que busca medir, acompanhar e divulgar o tamanho do estrago provocado pela atividade humana do planeta.

Robert Redford, ator, diretor e ativista morto na semana passada aos 89 anos, era um dos patrocinadores da empreitada.

Já era dado como certo no ano passado que a acidificação dos oceanos era a próxima fronteira a ser violada, resultado sobretudo da queima de combustíveis fósseis, com contribuições importantes do desmatamento e do uso descontrolado do solo.

“O oceano está se tornando mais ácido, os níveis de oxigênio estão caindo e as ondas de calor marinhas estão aumentando. Isso tudo eleva a pressão sobre um sistema vital para estabilizar as condições no planeta”, afirma Levke Caesar, um dos autores do relatório.

“A acidificação decorre principalmente das emissões de combustíveis fósseis e, juntamente com o aquecimento e a desoxigenação, afeta tudo, da pesca costeira até o oceano aberto. As consequências se espalham, afetando a segurança alimentar, a estabilidade climática global e o bem-estar humano.”

Estudos de atribuição que analisaram as recentes ondas de calor na Europa, assim como enchentes com mais de 200 mortos na Espanha em 2024, verificaram temperaturas do mar Mediterrâneo fora do padrão histórico, bem mais elevadas, em consequência da crise climática. É um dos fatores a acelerar a frequência e a intensidade de eventos extremos.

“Durante bilhões de anos, o oceano tem sido o grande estabilizador da Terra: gerando oxigênio, moldando o clima e sustentando a diversidade da vida. Hoje, a acidificação é uma luz vermelha piscando no painel de controle. Se a ignorarmos, corremos o risco de destruir os alicerces do nosso mundo vivo”, afirma a oceanógrafa americana Sylvia Earle, um dos nomes por trás do Planetary Guardians.

Earle foi a primeira mulher a ser nomeada cientista-chefe da Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica), hoje sob risco de sucateamento pelo governo Donald Trump, que nesta semana classificou a mudança climática como “enganação” em discurso na Assembleia Geral da ONU.

“A humanidade está ultrapassando os limites de um espaço operacional seguro”, diz o diretor do PIK, Johan Rockström. Além dos oceanos, as outras “fronteiras” já violadas são a própria mudança climática, a integridade da biosfera, o uso do solo (desmatamento, ocupação etc), o uso da água doce, os fluxos biogeoquímicos e a introdução de novos elementos (como organismos geneticamente modificados).

Todos esses limites mostram tendências de agravamento. Apenas a destruição da camada de ozônio e a carga de aerossóis na atmosfera permanecem em zona segura. Não por acaso, dois problemas que foram enfrentados nas últimas décadas com ações e políticas globais, como o protocolo de Montreal (1987).

As emissões globais de aerossóis estão diminuindo, embora o sul e o leste da Ásia e partes da África e da América Latina ainda enfrentem uma poluição significativa de partículas, aponta o relatório do PIK. Já a camada de ozônio se recupera de forma ampla.

“É a prova de que é possível mudar a direção do desenvolvimento global. Mesmo que o diagnóstico seja grave, ainda há uma chance de cura. O fracasso não é inevitável; o fracasso é uma escolha. Uma escolha que deve e pode ser evitada”, diz Rockström.