BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo federal costura um acordo com o Ministério da Defesa para que Exército, Marinha e Aeronáutica façam compras emergenciais de alimentos produzidos pela agricultura familiar e, assim, ajudem a reduzir os impactos causados pelo tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

A ideia é usar o poder de compra das Forças Armadas para o consumo interno das tropas, com foco em alimentos voltados à produção de cooperativas. Atualmente, há cerca de 350 mil militares ativos no país. O que se pretende e que sejam feitas “chamadas públicas especiais”, ou seja, editais de compra de alimentos.

Num primeiro momento, fazem parte de compras alimentos como castanha-de-caju, castanha-do-pará e mel. O acordo também pretende abrir espaço para aquisição de laranja e do suco de laranja, devido à supersafra do Rio Grande do Sul, Piauí e da Bahia, apesar dessas exportações terem escapado do tarifaço de 50%.

Conforme informações obtidas pela reportagem, o acordo foi tema de uma reunião realizada na semana passada entre membros do Ministério da Defesa e do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar). A busca de uma reação ao tarifaço de 50% que passou a vigorar sobre alimentos brasileiros foi o principal tema do encontro.

Atualmente, Exército, Marinha e Aeronáutica compram alimentos por meio de licitações tradicionais e tomadas de preço já cadastradas nos sistemas da União. Já as chamadas públicas especiais se baseiam em um edital simplificado, trazendo quanto e o que se deseja comprar.

Agricultores familiares, por meio de cooperativas ou associações, podem apresentar suas propostas de fornecimento. A seleção leva em conta não apenas o menor preço, mas também a origem do alimento e inclusão social associada.

Os trâmites finais do acordo ainda estão em andamento. Segundo os envolvidos no plano, a previsão é que a conclusão do processo dure cerca de um mês.

O ministro do MDA, Paulo Teixeira, confirmou o plano, ao citar que também pode haver reflexos nas tarifas após Trump confirmar que terá uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir o assunto.

“Depois da notícia de que os Estados Unidos finalmente aceitam abrir uma negociação, esperamos que as tarifas caiam pela via diplomática. Mas enquanto isso o governo do presidente Lula trabalha em conjunto para evitar que nossos produtores tenham prejuízos”, afirmou Teixeira à reportagem.

A reportagem procurou o Ministério da Defesa sobre o assunto. A pasta orientou que os questionamentos fossem repassados diretamente ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica.

Apesar da movimentação do governo, o Exército sinalizou que não há nenhum tipo de movimentação para atender o pleito.

Por meio de nota, o Exército declarou que, como integrante da administração pública direta, realiza suas aquisições de alimentos com base na Lei 14.133/2021, que estabelece a obrigatoriedade do Planejamento Anual de Contratações.

“As aquisições são planejadas com antecedência de um ano (A-1), tendo como base o efetivo, o histórico de consumo e as peculiaridades regionais. O Catálogo de Alimentos do Exército (CAEB) e o Catálogo de Alimentos Complementares do Exército (CAEC) definem os gêneros que podem ser adquiridos”, afirmou.

Por isso, o Exército declarou que “não possui normas que regulamentem ‘aquisições de oportunidade’ para gêneros alimentícios e, até o momento, não há registro de determinações para a aquisição de itens nesse contexto”.

“Assim, informamos que o Exército Brasileiro mantém sua rotina normal no tocante à aquisição de gêneros alimentícios, seguindo o planejamento previamente estabelecido”, informou a pasta.

Aeronáutica e Marinha não se posicionaram até a publicação desta reportagem.

As ações para tentar minimizar os estragos do tarifaço americano também incluem uma segunda medida que já está em vigor, por meio da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), estatal que atua na compra e venda de alimentos do país, ajudando a manter o equilíbrio dos estoques públicos e valores de alimentos.

No fim de agosto, o governo publicou uma resolução que autoriza compras em caráter emergencial dentro da estratégia de formação de estoques. A medida passou a permitir que a Conab compre parte da produção de cooperativas que perderam mercado, para que os agricultores não fiquem sem renda.

O valor negociado pode chegar a R$ 1,5 milhão por ano por organização, com limite de até R$ 15 mil por família agricultora. A lógica dessa medida é diferente da compra direta pelas Forças Armadas.

Neste segundo caso, a Conab funciona como um amortecedor de crise, ao comprar e estocar castanha-de-caju, castanha-do-pará e mel, até que seja possível recolocá-los no mercado interno ou destiná-los para doação.

Nesta terça-feira (23), o tarifaço de Trump ocupou boa parte das críticas feitas pelo presidente Lula, em seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, embora não tenha citado Trump nominalmente.

Em meio a tensões entre os dois governos, decorrentes do apoio de Washington ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os dois tiveram uma interação breve e amistosa, afirmaram integrantes da equipe do petista.

A aproximação ocorre em meio ao tarifaço do republicano contra o Brasil e a um novo pacote de sanções americanas. As declarações animaram os mercados brasileiros —o real se valorizou cerca de 1% em relação ao dólar e o índice de referência Bovespa subiu mais de 1%, atingindo uma máxima histórica.