SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Turquia prendeu na noite desta terça-feira (24) o comediante Boğaç Soydemir e o rapper Enes Akgündüz após eles serem acusados de incitação ao ódio por uma piada com um ditado do profeta Maomé durante a exibição de um programa no YouTube.
A polêmica começou quando Soydemir, dono do canal “Soğuk Savaş”, ou “Guerra Fria”, que tem cerca de 1,5 milhão de inscritos, leu um trocadilho de cunho sexual com a frase “o álcool é a mãe de todos os males”, enviado por um espectador durante o programa intitulado “Se Rir, Perde”.
Durante a atração, o apresentador e seus convidados costumam falar trocadilhos um ao outro. No programa em questão, Soydemir perguntou a Akgündüz: “O que você diz a alguém que afirma que o álcool é a mãe de todos os males?”. A resposta, continuou o comediante, seria: “Sem problemas, eu adoro MILFs, cara”, uma sigla em inglês para “mães com quem eu gostaria de transar”.
A piada foi vista por críticos como um insulto a um hadith, como são chamados os ditos e atos de Maomé que servem de base para a crença islâmica. Após a repercussão, Soydemir e Akgündüz se desculparam e o apresentador removeu do programa o trecho que gerou críticas.
“Normalmente, tento ser sensível com minhas próprias piadas. No entanto, estávamos passando pelas piadas da plateia na ocasião, e foi quando a li pela primeira vez”, afirmou o comediante em suas redes sociais. “Pensei que fosse um trocadilho simples, mas deveria ter pensado melhor. Só percebi depois que meus amigos me contaram. Vocês têm razão. Peço desculpas.”
Promotores argumentaram, no entanto, que o comentário poderia provocar hostilidade por motivos religiosos e os acusaram de “incitação ao ódio e à inimizade ou insulto a um segmento do público”. De acordo com a imprensa local, eles foram detidos por ordem do Ministério Público e encaminhados a um tribunal de Istambul, onde negaram irregularidades. Mesmo assim, a corte manteve a prisão de ambos.
Há anos críticos afirmam que o presidente Recep Tayyip Erdogan, no poder há mais de 20 anos, mina os freios e contrapesos da democracia turca. O político comanda o país desde 2003, com mandatos de primeiro-ministro e depois de presidente.
A Turquia era uma democracia parlamentar desde sua criação, em 1923, mas Erdogan mudou isso em 2017, adotando o sistema presidencialista. Com isso, o presidente é o chefe de Estado e exerce o poder Executivo, com a possibilidade de dois mandatos consecutivos de cinco anos. Já o posto de primeiro-ministro foi abolido.
A mais recente ofensiva do governo foi a prisão de quatro cartunistas do semanário satírico Leman por causa de um cartoon que teria retratado os profetas Maomé e Moisés e que o presidente descreveu como uma “provocação vil”.
Antes disso, em março deste ano, o país prendeu centenas de pessoas que protestaram contra a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, que foi detido sob acusações de corrupção que ele nega. Principal rival de Erdogan, o popular prefeito era considerado por muitos o único político capaz de derrotar o presidente nas eleições de 2028.
Durante as manifestações, diversos jornalistas foram presos, o que a ONG Repórteres Sem Fronteiras qualificou de uma medida escandalosa que refletia “uma situação muito grave em curso na Turquia”.