SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O início da primavera nesta segunda-feira (22) foi marcado por fortes chuvas e rajadas de vento que deixaram um rastro de destruição no estado de São Paulo. Na capital paulista, telhados foram arrancados, árvores derrubadas e pessoas feridas. Mais de 900 mil clientes da Enel chegaram a ficar sem energia elétrica na região metropolitana.

Esse cenário de devastação tem sido cada vez mais frequente nos últimos anos, devido às mudanças climáticas, e a tendência é que se torne parte da rotina da cidade, o que gera um alerta para o futuro.

Considerado uma tempestade pela escala Beaufort, que classifica a força do vento, o fenômeno desta segunda apresentou oficialmente rajadas de 98,2 km/h na capital, segundo a Defesa Civil.

Esse foi ao menos o terceiro caso com rajadas próximas ou acima de 100 km/h na cidade desde novembro de 2023.

Carlos Nobre, pesquisador das mudanças climáticas mundialmente reconhecido, confirma ser o aquecimento global o responsável pelo aumento da frequência de tempestades e ondas de calor no país.

Ele ressalta, no entanto, que a metrópole paulistana possui uma característica que intensifica o fenômeno: as ilhas urbanas de calor.

“O aquecimento global está provocando eventos de chuvas mais fortes, mas o que faz São Paulo bater todos os recordes de ventos é a ilha urbana de calor, a falta de vegetação”, diz o cientista.

Ele explica que, nessas ilhas, as temperaturas podem ficar mais de 10°C acima do normal nos dias mais quentes do ano.

“Quando a brisa marítima vem do oceano Atlântico e sobe a serra do Mar, ela chega à cidade e encontra a ilha de calor. E essas temperaturas máximas fazem o ar subir muito rápido. Então, ele pega a umidade, acelera e sobe muito rápido, formando as nuvens cumulus nimbus [de tempestade]. Depois ele desce do lado da nuvem muito mais rápido. É essa a razão física da maioria das rajadas”, diz Nobre.

Embora o aumento das temperaturas seja um fenômeno de escala global e a única forma de enfrentamento conhecida seja a redução das emissões dos gases que provocam o efeito estufa, as ações objetivas para atacar o problema também cabem às cidades, segundo Denise Duarte, engenheira civil especialista em adaptação climática da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

São Paulo tem uma trajetória de valorização da agenda climática. Há duas décadas participou da criação da principal iniciativa de cidades comprometidas a enfrentar o aquecimento global, o grupo C40 Cities.

O plano de ação climática da capital paulista, o PlanClimaSP, é frequentemente apontado como referência para o tema no país. Apesar disso, esse planejamento ainda apresenta falhas quanto à definição de metas e ações concretas, diz Denise.

Neste momento, o PlanClima paulistano passa pela sua primeira revisão e, segundo a Secretaria de Mudanças Climáticas da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), a conclusão do processo no final deste ano resultará em um planejamento com regras mais objetivas para tratar da adaptação a eventos extremos.

Lidar com fenômenos climáticos mais severos também vai exigir instrumentos precisos para embasar planos locais, diz Rodrigo Perpetuo, secretário-executivo do Iclei para a América do Sul, conselho internacional voltado a iniciativas ambientais que colaborou para a construção do plano paulistano. “A própria legislação nacional para prevenção de riscos, na maioria das vezes, não detalha protocolos específicos”, diz.

É justamente para tratar de forma específica sobre o efeito das ventanias nas edificações do país que ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) revisou no final de 2023 -após o início da série de vendavais em São Paulo- as suas normas sobre vento.

Como consequência da revisão, a ABNT criou um grupo técnico para a atualização do seu Gráfico de Isopletas, uma espécie de mapeamento da força do vento nas diversas regiões do país.

Esse trabalho, que deverá ser concluído em meados de 2026, resultará em uma nova proposta para atualização da norma, diz Lilian Sarrouf, superintendente do Comitê Técnico da Construção Civil da ABNT.

Embora vendavais não ofereçam riscos às edificações, segundo Lilian, estudos como o mencionado por ela devem ajudar no desenvolvimento de varandas, janelas, torres de transmissão e outros equipamentos mais resistentes.

Outra frente apontada por especialistas como necessária é a produção de um inventário com informações sobre as condições das árvores do município. O edital para a produção do documento foi lançado em junho deste ano pela gestão Nunes.

No curto prazo, porém, o aprimoramento dos sistemas de alertas é o que pode evitar mortes, segundo o tenente Maxwel Souza, diretor de comunicação da Defesa Civil do Estado de São Paulo.

Souza destaca que os alertas emitidos nesta segunda foram capazes de antecipar em até uma hora o vendaval em algumas regiões do estado.

A tempestade desta segunda deixou 24 pessoas feridas, oito desabrigadas e 33 desalojadas no estado, segundo a Defesa Civil. No início desta terça-feira (23), 172.169 imóveis permaneciam sem energia. Perto das 20h, ainda restavam 80.564 sem luz, sendo 56.734 na capital.

Um dos lugares atingidos foi na rua Itápolis, no bairro da Consolação (zona oeste), ao lado do estádio do Pacaembu.

“A sensação foi que vimos a chuva e o vento por cinco minutos”, lembra a publicitária Carol Patrocínio, moradora de uma das casas atingidas pelo temporal. Esse pequeno intervalo foi o suficiente para transformar a rua arborizada em um cenário de guerra.

No fim da manhã desta terça-feira (23), as árvores já tinham sido retiradas do asfalto. Mas não dos imóveis. Equipes da prefeitura trabalhavam para retirar uma palmeira-imperial que destruiu a fachada da casa da qual Patrocínio é inquilina.

Os estragos não ficaram só ali. “Quando acabou a chuva fomos olhar o tamanho da destruição. Do lado de trás tem muitas telhas caídas. Telhas gigantes, que não são da minha casa. Tem árvore caída lá também”, conta. Em um dos quartos, há um buraco no teto. “Tem vista, né?”, brinca a publicitária em meio ao cenário caótico.

Em nota, a Enel informou que restabeleceu o fornecimento de energia de 95% dos clientes impactados pela chuva de segunda-feira. A empresa disse ainda que atua com 1.300 equipes em campo ao longo do dia para agilizar o atendimento e, no momento, eles atuam principalmente em casos complexos, que envolvem a queda de árvores e exigem obras para reconstrução da rede.

Escala de Beaufort (velocidade dos ventos)

Grau Designação km/h Efeitos em terra

0 Calmo <1 Fumaça sobe na vertical

1 Aragem 1 a 5 Fumaça indica direção do vento

2 Brisa leve 6 a 11 As folhas das árvores movem; os moinhos começam a trabalhar

3 Brisa fracа 12 a 19 As folhas agitam-se e as bandeiras desfraldam ao vento

4 Brisa moderada 20 a 28 Poeira e pequenos papéis levantados; movem-se os galhos das árvores

5 Brisa forte 29 a 38 Movimentação de grandes galhos e árvores pequenas

6 Vento fresco 39 a 49 Movem-se os ramos das árvores; dificuldade em manter um guarda chuva aberto; assobio em fios de postes

7 Vento forte 50 a 61 Movem-se as árvores grandes; dificuldade em andar contra o vento

8 Ventania 62 a 74 Quebram-se galhos de árvores; dificuldade em andar contra o vento; barcos permanecem nos portos

9 Ventania forte 75 a 88 Danos em árvores e pequenas construções; impossível andar contra o vento

10 Tempestade 89 a 102 Árvores arrancadas; danos estruturais em construções

11 Tempestade violenta 103 a 117 Estragos generalizados em construções

12 Furacão +118 Estragos graves e generalizados em construções

Fonte: Defesa Civil SP