SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A produtora e empresária Paula Lavigne, 56, afirma que o ato musical do último domingo (21) não foi da esquerda, mas da sociedade civil. Ela cumpriu papel fundamental para organizar as manifestações ao redor do país, numa articulação entre a 342 artes, coletivo de artistas liderada por ela, e a Mídia Ninja.
“Não acho que isso tenha sido uma manifestação de lado ou de outro. Não vejo assim. Vejo como uma revolta da sociedade civil que se organizou, puxada por artistas, claro, que há muito tempo participam do debate público, com a agenda de impunidade do Congresso”, afirma Paula. “Não delimito, não gosto de caixinhas e gavetinhas, e o próprio Caetano [Veloso, marido de Paula] fala isso: ‘nunca tive uma definição política restritiva. Não entro em bloco definido. Sou artista’. E artista é parte da sociedade, se manifestar é direito e dever.”
De início, os atos contra a anistia e a PEC da Blindagem haviam sido convocados pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Trabalhadores Sem Teto), apoiados pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. A mobilização só se intensificou, porém, quando os artistas passaram a conclamar a presença da população pelas redes sociais. Os protestos se espalharam pelas capitais do país, tendo maior adesão em São Paulo e no Rio de Janeiro.
“O que aconteceu agora foi um grito de que basta, chega, de cansaço das pessoas com o descolamento do debate político em Brasília e os anseios da sociedade. Demonstramos que artistas, sociedade civil organizada, campo progressista, todos juntos, unidos, são capazes de levar multidões às ruas para defender a democracia”, diz Paula. “Queríamos um ato com uma mensagem política clara, mas baseado na cultura, na força da música e no peso dos artistas ali presentes, e não na incitação à violência. Nossa arma é a arte.”
Aprovada na Câmara, a PEC da Blindagem dificulta a investigação criminal de parlamentares. O texto, que ainda deve passar pelo Senado, onde enfrenta resistência, propõe que os congressistas não podem ser processados sem autorização prévia do Legislativo, em votação secreta e sem um registro nominal.
Em paralelo, o Congresso articula uma proposta de redução da dosimetria das penas dos condenados pela tentativa de golpe de Estado de 2022 e pelo 8 de Janeiro. O projeto poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a mais de 27 anos de prisão. Segundo a USP (Universidade de São Paulo), os protestos no Rio e em São Paulo se equipararam, em número, às manifestações bolsonaristas de 7 de Setembro. Em Copacabana, estiveram 41,8 mil pessoas, e, na avenida Paulista, 42,4 mil foram às ruas.
Embora políticos tenham discursado na capital paulista, a liderança da classe artística ficou evidente, em especial no Rio de Janeiro, onde nomes centrais da cultura brasileira -Caetano, Chico Buarque e Gilberto Gil, Geraldo Azevedo, Djavan, Paulinho da Viola e Ivan Lins– protagonizaram um ato musical, entoando clássicos como “Alegria, Alegria” e “Cálice”.
A liderança política de Paula não é uma novidade para quem acompanha a vida cultural brasileira há pelo menos uma década. Em 2016, ela mobilizou a classe artística e iniciou a campanha 342 artes, contra a censura e a criminalização da arte. À época, o coletivo tentou impedir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A produtora desmente agora os ataques de bolsonaristas, que comparam a anistia de 1979 à proposta atual. Segundo a narrativa dos direitistas, Caetano e Gil teriam sido anistiados e agora querem barrar uma anistia aos golpistas do 8 de janeiro de 2023.
“Foi curioso ver as milícias digitais bolsonaristas reclamarem dos artistas que supostamente foram anistiados após a ditadura militar e hoje trabalham contra a anistia. É falso. Primeiro porque Caetano e Gil, por exemplo, não foram anistiados. Foram presos sem saber o motivo, colocados numa solitária e depois expulsos do Brasil. Não foram julgados, nem condenados, e sim presos porque eram Caetano e Gil. É isso que ditaduras fazem”, diz Paula. Segundo ela, a anistia de 1979 foi uma forma encontrada pelo Brasil para assegurar a redemocratização. A empresária também rebate críticas às novas gerações de artistas.
Alguns comentários, nas redes, questionaram a iniciativa ou a ausência de cantores e compositores mais jovens, destacando que o movimento fora deflagrado por nomes da geração de 1960, responsável pelo combate à censura durante a ditadura militar. Paula louva, contudo, a presença de Marina Sena, Os Garotin, Zé Ibarra, Lucas Nunes, Maria Gadú e Pretinho da Serrinha, entre outros, em São Paulo, Belém e Belo Horizonte.
“Nenhum dos artistas jovens titubearam quando os chamamos. A convocação para o ato começou com o vídeo do Caetano Veloso, mas ela só furou a bolha com o vídeo de Anitta, que é tão jovem que não pode nem ser presidente da República. Ela não esteve presente domingo por questões de agenda, mas fez um vídeo que exemplificou a PEC da Blindagem de forma efetiva para todas as camadas sociais”, afirma ela.
Paula descarta, por fim, qualquer pretensão na política institucional, dado o seu poder de articulação e de mobilização.
“Não faço isso para me candidatar ou para ser vista como uma liderança política. Ajo em nome da cultura e dos direitos dos artistas. Sou uma soldada da causa artística, meu Estado-Maior são os artistas. O que faço é ajudá-los a colocar em prática o que eles desejam. E hoje muitos deles desejam defender a democracia contra o autoritarismo, contra a anistia e contra a blindagem de parlamentares criminosos”, diz.