SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas nesta quarta-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma defesa enérgica da democracia brasileira em meio a ataques do governo dos Estados Unidos sob Donald Trump e condenou a inação das maiores economias do mundo frente ao “genocídio na Faixa de Gaza”.

Sem citar o presidente americano ou os EUA, Lula disse que “o autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente a arbitrariedades”, afirmando que “em todo o mundo, forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades”. Especialistas apontam que, desde que retornou à Casa Branca, Trump lidera uma investida contra pilares da democracia americana, como as universidades, a imprensa e o Judiciário.

Ao mesmo tempo, e sem citar Jair Bolsonaro (PL), Lula defendeu o julgamento que condenou o ex-presidente a 27 anos de prisão por seu papel na trama golpista. “Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há quarenta anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais”, afirmou o presidente.

“Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Foi investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas”, disse Lula, rebatendo a afirmação de bolsonaristas, comprada pelo governo Trump, de que o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou Bolsonaro de maneira autoritária e parcial.

“Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela.”

Em outro momento, o presidente também criticou as medidas tomadas pela Casa Branca para tentar influenciar o processo contra Bolsonaro, como a imposição de tarifas e sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, sua esposa e membros do governo brasileiro. “Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável.”

Lula incluiu ainda na fala crítica à atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do blogueiro Paulo Figueiredo, que atuam junto ao governo Trump para ampliar a pressão ao Brasil, e ao projeto de anistia aos envolvidos na trama golpista que tramita no Congresso Nacional.

“A ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade.”

Ao longo do discurso, o presidente incluiu uma defesa do combate às mudanças climáticas, mencionando a COP30, que ocorre em Belém em novembro, e exaltou a saída do Brasil do mapa da fome, conquista confirmada em julho pela FAO, o órgão de segurança alimentar da ONU. “A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza”, afirmou.

Se voltando para política externa, Lula pediu diálogo na Venezuela, um futuro livre de violência no Haiti, e condenou a inclusão de Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo compilada pelos EUA. Sobre o conflito no Leste Europeu, falou em “pavimentar caminhos para uma solução realista” que leve em conta “as legítimas preocupações de segurança de todas as partes”, uma fala que será considerada branda por países europeus que condenam de forma veemente a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Mas foi sobre a Palestina que o presidente brasileiro falou mais extensamente. Lula condenou os ataques terroristas do Hamas, mas disse que “nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”.

“Ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”, disse Lula, em dura crítica a países europeus aliados de Israel e aos EUA, que defenderam amplamente a conduta de Tel Aviv em Gaza antes de mudar de tom mais recentemente. “Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo.”

“Expresso minha admiração aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva”, prosseguiu o presidente brasileiro. “O povo palestino corre o risco de desaparecer. Só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional, solução defendida por mais de 150 membros da ONU, reafirmada ontem, aqui neste mesmo plenário, mas obstruída por um único veto”, o dos EUA.

Lula encerrou a fala relembrando o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, e o Papa Francisco, mortos esse ano. “Ambos encarnaram como ninguém os melhores valores humanistas, e suas vidas se entrelaçaram com as oito décadas de existência da ONU.”

“Se ainda estivessem entre nós, provavelmente usariam esta tribuna para lembrar que o autoritarismo, a degradação ambiental e a desigualdade não são inexoráveis, que os únicos derrotados são os que cruzam os braços, resignados, que podemos vencer os falsos profetas e oligarcas que exploram o medo e monetizam o ódio, e que o amanhã é feito de escolhas diárias -e é preciso coragem de agir para transformá-lo”, concluiu.