ALTA FLORESTA, MT (FOLHAPRESS) – Antes de entrar em uma cabana camuflada para avistar pássaros na floresta, no norte de Mato Grosso, Francisco de Carvalho Sousa, 54, lembra da infância, de quando assistia às cantorias e às revoadas de papagaios, tucanos, pintassilgos e currupiões no sítio onde morava no interior do Piauí.
“Eu queria estar entre eles”, confessa o guia. Ex-garimpeiro, ele trabalha há cerca de 30 anos para o Cristalino Lodge, um hotel voltado ao ecoturismo que ajuda a preservar mais de 11 mil hectares de floresta amazônica em Alta Floresta (a 791 Km de Cuiabá).
A cabana camuflada parece ser a realização do sonho de Francisco de estar entre os pássaros. Quem olha para o seu rosto sorridente e a pele levemente bronzeada, pode pensar que o guia é um personagem de Manoel de Barros: “Por viver muitos anos dentro do mato/ O menino pegou um olhar de pássaro”, diz um dos versos do poeta mato-grossense.
Francisco saiu de Luzilândia, no Piauí, para Alta Floresta ainda adolescente, para trabalhar com o garimpo, em 1993. Depois, foi trabalhar de caseiro para Vitória Da Riva, conservacionista que criou as reservas particulares do patrimônio natural do Cristalino, na região entre o rio Teles Pires e o rio Cristalino, onde existem mais de 670 espécies de aves.
Alguns desses animais podem ser vistos facilmente por turistas do mundo inteiro graças a uma tecnologia simples criada por Francisco há 17 anos: cinco poças espalhadas pela floresta, onde diversas espécies de pássaros pousam para tomar banho e beber água e posam para as lentes fotográficas de ornitólogos e observadores de aves.
Para os turistas aficionados por aves, o ganho foi excepcional. Se antes era preciso 15 dias ou mais para avistar muitas espécies, as poças permitiram a observação rapidamente.
O que antes parecia impossível de ser feito em tão pouco tempo por conta das características desses animais, que vivem furtivamente debaixo das copas das árvores.
“Muitos clientes me procuram com uma lista de no mínimo 200 pássaros para observar”, conta Francisco. “Eles sabem que não dá para avistar todos, mas as poças ajudam muito porque é possível ver muitos pássaros em pouco tempo”.
Sem falar inglês, Francisco aprendeu o idioma dos bichos. O guia cita centenas de nomes só de ouvir o canto: “Lá vem a mãe-da-taoca”, avisa. “Escuta, é o uirapuru-de-chapéu-branco”, diz. “O rendadinho-do-xingu acabou de chegar”.
De vez em quando, Francisco não segura o entusiasmo com bichos que vê quase todo dia: “Olha, olha, olha que lindo”, diz ao apontar para um tem-tem-de-dragona-branca.
Nos anos 90, quando Francisco pisou o pé pela primeira vez em Alta Floresta, o município era o segundo maior centro de comercialização de ouro da Amazônia, com mais 10 mil garimpeiros em 19 mil hectares, onde foram comercializadas 360 toneladas de ouro em uma década.
A paisagem foi brutalmente modificada. Centenas de agricultores familiares, que antes viviam da produção de café, cacau e castanha, foram à bancarrota por conta da ilusão do ouro fácil.
“O ouro era uma coisa que passava na televisão, Serra Pelada, então tinha aquele sonho de conseguir ouro, mas quando desço do ônibus vejo aqueles caras todos armados, deu um desânimo na hora.”
Não demorou muito tempo até que Francisco abandonasse o garimpo. Ele desistiu da profissão depois de oito meses, após contrair malária, doença que acometeu 20% da população de Alta Floresta entre 1992 e 1997, segundo estudos científicos.
Em 1994, começou a trabalhar para a família Da Riva. Quatro anos depois, foi pela primeira vez ao Cristalino trabalhar como caseiro, no meio da mata, recebendo os primeiros turistas do projeto pioneiro de ecoturismo na Amazônia.
A ideia da primeira poça surgiu em setembro de 2008 quando o ex-garimpeiro buscava pelo maior colibri do Brasil, o beija-flor-brilho-de-fogo, um animal que foi descrito pela primeira vez pelo pai da taxonomia moderna, o sueco Carlos Lineu, em 1758.
Depois de caminhar 6 km floresta adentro, Francisco sentou-se em um tronco para se refrescar e comer pão. Ali, fez uma observação curiosa: os insetos rejeitavam o pão que caía, mas se esbaldavam nas minúsculas poças de água que ele derramava no chão da floresta.
“Onde tinha gotinha de água que eu lavei o rosto encheu de abelha, marimbondo, borboletinhas, lotou”, conta. “Aí eu tive a ideia: se os insetos, que voam alto, procuram água no chão, imagina os pássaros que vivem debaixo das copas?”.
Na mesma semana, Francisco fez o primeiro bebedouro. O resultado foi imediato. Os pássaros que vivem debaixo das copas procuravam a água reservada das poças. Desde então, o guia liga o barco diariamente e segue pelo rio para abastecer as poças em trilhas dentro da mata.
Segundo a direção do hotel, o local recebe cerca de 280 observadores de aves por ano, cujo hobbie é facilitado pelas poças do guia. Francisco guiou ornitólogos famosos, como os americanos Kevim Zimmer, Bret Whitney e o britânico Andrew Whitaker. Com eles, aprendeu o nome científico dos animais, o comportamento e as especificidades de cada ave.
Sem grandes ambições, Francisco tem um único sonho: pular de paraquedas. Depois de ficar entre os pássaros na terra, com suas poças de água, talvez o guia queira ficar entre eles novamente, de outra forma, planando no alto do céu.