LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – Há um novo chefe no escritório. Ele não é um maníaco sem noção como Michael Scott, o “melhor chefe do mundo” da série “The Office”, mas talvez tampouco bata bem da cabeça. Afinal, Ned Sampson é um idealista que acha que pode fazer a diferença e ainda inspirar todo mundo a trabalhar —de graça.

“Ele é um romântico, e todos ao seu redor vivem uma realidade que não tem nada de romântica”, diz o ator Domhnall Gleeson, que vive Ned em “The Paper”. A série é o novo trabalho de Greg Daniels, criador da versão americana de “The Office”.

A realidade é a redação de um jornal no meio-oeste dos Estados Unidos, na cidade de Toledo, em Ohio. A equipe de documentaristas que seguiram os vendedores de papel da Dunder Mifflin por nove temporadas em “The Office” achou outro assunto para cobrir —a chegada de um novo editor-chefe no Toledo Truth Teller, o TTT.

Em português, “paper” é papel e também jornal. No caso do TTT, é um jornal sem jornalistas, com exceção de um repórter das antigas que fuma nas reuniões, cochila durante o expediente e cobre jogos das escolas locais.

A versão impressa é feita por uma secretária com textos colados de agências de notícias, e a versão online é uma coleção de caça-cliques para coletar informações dos leitores.

Dar risada com “The Paper” pode ser tarefa ingrata para repórteres da vida real, que vivem na corda bamba do desemprego. Ou mesmo para editores, sem orçamento para completar suas edições e aumentar o valor pago pela produção das reportagens, congelado há mais de uma década.

Num evento para jornalistas no lançamento da série, em Los Angeles, um correspondente do México desabafou sobre ter perdido seu emprego algumas semanas antes. Disse que não conseguiu passar do primeiro episódio, pois era muito dolorido.”

Gleeson foi rápido, simpatizou com o colega desempregado e explicou que, veja bem, o seriado é sobre pessoas sem noção. “Não vejo como um programa deprimente. Acho muito inspirador, na verdade”, disse o ator, que, apesar de ser irlandês, capricha no sotaque americano ao viver Ned.

“O fato de haver um preço, de que vale pagar para ter a verdade, é importante”, acrescentou o autor, em entrevista depois do evento. “Não é algo que anunciamos explicitamente no programa, mas está lá em algum lugar.”

Na trama, Ned chega à redação do TTT após uma carreira brilhante como vendedor de papelão e papel higiênico. Seu sonho sempre foi trabalhar com jornalismo e, quando finalmente vira editor-chefe, se vê sem nenhum repórter. Em pouco tempo, ele inspira a meia dúzia de funcionários da empresa a se voluntariar para aprender a profissão. O cenário está montado para a comédia de erros.

Gleeson trabalhou com Steve Carell (Michael Scott) no seriado “The Patient” e com John Krasinski, o Jim de “The Office”, no filme “Fountain of Youth”. O ator procurou os dois para conversar sobre o novo trabalho. “Steve falou que eu poderia me divertir muito.”

Ned lembra às vezes uma versão de Jim, o funcionário mais tradicional de “The Office”. Já a fama de chefe terrível de Michael fica com Esmeralda Grand, interpretada pela italiana Sabrina Impacciatore, de “White Lotus”. Sua atuação exagerada, porém, suga energia das histórias. Oscar, papel de Oscar Nuñez, é o único do seriado anterior que está de volta, também como contador e agora relutante em ser filmado.

“Tentamos não comparar nem contrastar com o que já foi feito, olhando para o que funciona no nosso programa para um jornal”, diz Gleeson, que visitou diversas redações e acompanhou o trabalho de alguns jornalistas. “Eles pediram para não serem identificados. Vou proteger minhas fontes”, disse, brincando com o jargão jornalístico.

“Foi interessante conversar com jovens que entraram na profissão recentemente, mesmo sabendo que escolheram essa indústria dura, e falar com quem presenciou os jornais passarem de um gigante imenso a, pouco a pouco, irem encolhendo, encolhendo, encolhendo”, afirmou o ator. “Em comum, ambos ainda acreditam nos fundamentos do jornalismo. Isso foi muito útil para meu personagem.”

Greg Daniels, que cocriou “The Paper” ao lado de Michael Koman, da série “Nathan for You”, contou que teve experiências como jornalista ao trabalhar no jornal da escola e da faculdade, além de fazer trabalhos esporádicos para o programa de rádio “Voice of America” quando jovem.

Ele pesquisou a indústria do papel quando liderou “The Office” e deu bloquinhos de anotações aos seus roteiristas quando fez o seriado de animação “King of the Hill”, sobre uma família numa cidadezinha do Texas. “A gente foi para o Texas e entrevistou pessoas, procurando histórias”, disse Daniels, que cocriou também “Parks and Recreation” e “Upload”.

“Muita gente dizia que eu tinha que fazer mais com esse universo de ‘The Office’, mas eu não queria diluir o programa enquanto ainda estava no ar”, afirmou Daniels. “Agora já faz bastante tempo que a série terminou, dez anos, acho que os fãs vão gostar de algo nesse mesmo tom.”

Daniels mostrou o roteiro para os comediantes britânicos Ricky Gervais e Stephen Merchant, criadores de “The Office”. Os dois assinam a produção executiva de “The Paper”, embora não estejam envolvidos diretamente na série. “Eles estão na lista de distribuição dos roteiros, mas não sabemos o que acham de cada passagem. O que eu mandei para eles, que foi o piloto, eles reagiram de maneira favorável”, disse Daniels.

Tanto Daniels como Gleeson elogiaram a profissão de jornalista durante as entrevistas, embora nenhum assine ou compre com frequência jornal impresso, a relíquia que o protagonista tenta reavivar com tanto afinco.

“Tenho o prazer de tocar nos jornais quando visito meu pai em Nova York. Ele ainda vai à banca a pé todos os dias e compra um monte de jornais”, disse Daniels. “Gosto de ler jornais impressos, mas o ‘L.A. Times’ é muito grande e não é a opção mais sustentável ter esse volume de papel entregue todos os dias.”

Já Gleeson disse que tinha um jornal no seu quarto de hotel. “Compro a cada três dias mais ou menos para fazer as cruzadinhas”, disse o ator. “Não vou te dizer qual jornal é. Não quero apoiar uma publicação em detrimento de outra, vai que depois me fazem críticas terríveis”, afirmou, rindo.