RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Dois estudos brasileiros revelaram que a esterilização de equipamentos cirúrgicos no Brasil pode estar comprometida mesmo em hospitais equipados com autoclave e lavadora ultrassônica, o que gera chances de infecção.

Análises de cânulas de lipoaspiração em Minas Gerais e de mais de 900 itens reutilizáveis em São Paulo revelaram alto índice de manchas, oxidação, resíduos ou corrosão nos itens mesmo após passarem por processos de limpeza e esterilização.

No primeiro estudo, mais de 40% dos instrumentais avaliados tinham manchas, alterações de cor ou sinais de corrosão/oxidação. Já o segundo estudo, revelou que mesmo em um hospital equipado com lavadora ultrassônica e duas autoclaves, 66,7% das cânulas de lipoaspiração apresentavam algum tipo de alteração ao serem inspecionadas com um boroscópio, item que de inspeção visual que hoje não é obrigatório em hospitais.

André Luiz Alvim, professor adjunto da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e do programa de pós-graduação em enfermagem da instituição e autor nas duas pesquisas, reforça que os resultados são alarmantes.

“Um estudo foi realizado em três hospitais de São Paulo e o outro em um hospital público de Minas Gerais. Ou seja, quatro hospitais, cenários diferentes, mas que mostraram que o problema não é pontual e, sim, algo maior, que deve ser investigado”, afirma Alvim.

O docente diz que “não basta apenas limpar e esterilizar”, é “preciso também garantir boas condições na qualidade do instrumental, de armazenamento, inspeção detalhada e atenção à qualidade da água.”

“Em algumas cânulas de lipoaspiração, encontramos sujeira mesmo após todo o processo de limpeza. Isso acontece porque são instrumentos muito complexos, de difícil higienização. Exigem não só atenção redobrada da equipe, mas também o uso de tecnologias que ajudem a identificar essas falhas”, alerta o pesquisador.

CÂNULAS DE LIPOASPIRAÇÃO

O primeiro estudo, publicado pelos pesquisadores da UFJF na Revista Prevenção de Infecção e Saúde, promoveu a inspeção visual de cânulas de lipoaspiração com auxílio de um boroscópio.

O hospital escolhido atende pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e estava equipado com uma lavadora ultrassônica e duas autoclaves, operando em dois turnos. A cânula foi escolhida como foco por não apresentar controle quanto ao número de esterilizações a que foram submetidas desde a aquisição.

“Algumas cânulas de lipoaspiração são descartáveis, mas ainda se usam as reutilizáveis, que exigem mais cuidado. Elas têm pequenos furos e ranhuras, onde restos de gordura e sangue podem ficar presos. Nesse caso, o boroscópio funciona como uma ‘câmera exploratória’, que permite olhar dentro de instrumentos de difícil acesso”, conta Alvim.

Os itens foram observados entre outubro de 2023 e janeiro de 2024, sendo que 66% teve alterações detectadas, com oxidação, manchas e/ou descoloração em 50% das peças. Resíduos ou detritos foram encontrados em 33,3% e sulcos, em 25%.

Conduzido por pesquisadores da UFJF, do Einstein Hospital Israelita, do Hospital São Camilo Oncologia e do Hospital Nipo Brasileiro, o segundo estudo foi publicado na Revista De Ciências Médicas e Biológicas.

A pesquisa analisou 900 instrumentos de três hospitais: um público, um privado com atendimento beneficente e um particular com parceria filantrópica. Da amostra, 365 itens (41%) apresentaram pontos e manchas; 312 (35,0%) tiveram alterações na coloração e 133 (15%), sinais de oxidação ou corrosão.

As falhas foram atribuídas à qualidade da água e ao tipo de detergente utilizados para limpeza. As alterações encontradas, alerta o artigo, “podem causar eventos adversos ao paciente devido a redução da funcionalidade e a presença de biofilmes”, “podendo comprometer a segurança do paciente.”

“Biofilmes são formações de uma camada bem resistente, que envolve as bactérias, e podem sobreviver até o processo de esterilização. Na prática, isso aumenta o risco de infecção de sítio cirúrgico, complicações pós-operatórias e até tempo de internação”, explica Alvim.

REGULAÇÃO

A Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo) reforçou a necessidade de que os hospitais e equipe médicas sigam as recomendações de fábrica e façam o descarte de materiais no tempo correto.

“O fabricante enumera o número de vezes que [o material] pode ser reutilizado ou circunstâncias em que o hospital deve parar o uso, mas nem sempre é observado, às vezes se utiliza o dobro”, aponta Luiz Eduardo Costa, gerente de Inteligência Regulatória da Abimo.

Já Claudio Winkler, gerente internacional de vendas de uma multinacional de medicina estética, lembra que o Brasil se destaca por sua preocupação com a correta desinfecção.

“Ao longo de todos esses anos frequentando hospitais, centros cirúrgicos e centros de esterilização de materiais e médicos, o que pude verificar, tanto na rede pública quanto na rede privada, é um cuidado imenso com relação à esterilização, mas sempre há espaço para melhorar”, afirma Winkler.

Há 20 anos no setor, Winkler defende que a informação trazida pelas pesquisas ampare a criação de políticas públicas e recomenda que, pela complexidade do tema, que os legisladores se interessem mais por conhecer os processos envolvidos.