SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça de São Paulo anulou uma alteração contratual entre a Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) e uma mutuária que permitia que o imóvel fosse a leilão por inadimplência. Foi a primeira vez que a Defensoria Pública do estado conseguiu uma decisão em favor dos moradores.
Em nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmou que “não foi notificada da decisão judicial e irá se posicionar oportunamente”. Ainda cabe recurso.
A mutuária é uma idosa, com renda baixa, e moradora da zona sul da capital paulista. O seu contrato original era 1989. Em uma renegociação da dívida, em 2010, durante a gestão Gilberto Kassab (hoje no PSD, na época no DEM) ela assinou uma alteração no contrato que passava a prever a alienação fiduciária. Ou seja, o imóvel passou a ficar em nome da Cohab até a quitação total da dívida, permitindo que o bem fosse levado a leilão por inadimplência.
O juiz André Augusto Salvador Bezerra, da 42ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, considerou que o caso não trata de uma relação privada comum, mas de uma política pública voltada à população vulnerável. “Há, como se vê, uma lógica completamente privatista na relação entre as rés e a autora, em que pese sua situação de vulnerabilidade a necessitar de política pública de habitação. Tudo foi feito sob a racionalidade de empresas privadas, sob a pura lógica de mercado”, escreveu ele.
O defensor público responsável pelo caso, Douglas Tadashi Magami, criticou a mudança no contrato. “A decisão reconhece um desequilíbrio na relação contratual entre o mutuário e a Cohab”, diz.
Pesquisador do tema, Vitor Inglez, do Labcidade, afirma que, no ano passado, 10,5 mil famílias estavam com prestações atrasadas em um universo de 31.492 mutuários. Este é o número de contratos que a Cohab repassou, no final da gestão Fernando Haddad (PT), para a SPDA, uma empresa municipal criada na gestão Kassab para gestão dos ativos da companhia. Não há dados mais recentes disponíveis.
Para ele, a realização dos leilões tende a aumentar o déficit habitacional. Isso porque as famílias perdem seus imóveis e, por já terem sido beneficiadas uma vez, não podem se candidatar a uma nova inclusão nos programas.
De outro lado, as unidades construídas para famílias de baixa renda são colocadas no mercado imobiliário sem restrição e podem ser compradas por pessoas físicas e jurídicas que não atendem aos critérios sociais.
Segundo o professor de Direito da Unifesp Álvaro Pereira, os contratos de alienação fiduciária surgiram no final dos anos 1990, inicialmente nas políticas do sistema de crédito imobiliário. Com o avanço das parcerias público-privadas (PPPs), o mesmo modelo passou a ser aplicado gradativamente nos programas habitacionais municipais, estaduais e federais.