BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – A morte de um homem na região da BR-230 a Transamazônica gerou revolta e ataques verbais e virtuais contra indígenas pirahãs, um povo de recente contato que não fala a língua portuguesa, que tem alta mobilidade para além dos limites do território demarcado e que vive da pesca, da caça e da coleta na floresta amazônica.
Pessoas que atuaram no resgate do corpo da vítima disseram que o homem foi atacado com flecha por pirahãs, na última segunda-feira (15). Pelo menos mais uma pessoa ficou ferida.
O suposto crime teria ocorrido em uma ponte sobre o rio Maici Mirim, fora da Terra Indígena Pirahã, ao sul do território. A cidade mais próxima é Humaitá, no sul do Amazonas.
Desde então, ocorreram protestos contra os indígenas, presencial e virtualmente, o que inclui ataques racistas contra os pirahãs, numa região onde são recorrentes conflitos, enfrentamentos e invasões de territórios tradicionais. O sul do Amazonas é uma das fronteiras do desmatamento da amazônia, com avanço da grilagem de terras.
Equipes especializadas da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) passaram a apurar o que ocorreu, por meio de conversas com pirahãs.
Existe o temor de que possam ocorrer protestos violentos, com destruição de equipamentos públicos, como ocorreu no fim de 2013 em decorrência ao assassinato de três homens por indígenas tenharins, dentro da terra indígena.
O Ofício de Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e de Recente Contato, que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República), recomendou que a Funai acione a PF (Polícia Federal) para investigar o caso.
“Apesar de haver informações de que o caso está sob investigação das autoridades locais, o crime em questão deve atrair a competência federal, devendo sua investigação ser procedida por autoridades federais, no caso pela Polícia Federal sob controle externo do MPF”, afirmou o procurador da República Daniel Luis Dalberto, em ofício encaminhado à Funai na quinta (18).
O motivo do deslocamento, segundo o procurador, é o fato de os pirahãs serem classificados pelo Estado brasileiro como povo de recente contato, “justamente em razão dos poucos contatos e interações com a sociedade envolvente e reduzida compreensão e incorporação dos códigos de conduta e, de modo geral, da cultura ocidental”.
Tanto o MPF quanto a Funai afirmam que os pirahãs têm um modo de vida pacífico, não sendo registrados ataques ou reações ao entorno do território, ou ao fluxo em torno da Transamazônica, que corta uma área de uso comum dos indígenas.
Em um vídeo que mostra a retirada do corpo do rio, à noite, as pessoas afirmam que a vítima levou uma flechada e que pode ter sido atingida também por um facão terçado. Há revolta entre as pessoas contra os indígenas e contra a Funai.
Segundo o boletim de ocorrência registrado na polícia, a casa do agricultor José Ailton Teodoro dos Santos foi invadida por indígenas, que teriam roubado roupas e comida. Depois, ele e mais três homens teriam perseguido o grupo para recuperação dos pertences, quando teria havido o ataque com flechas. O corpo de José Ailton foi encontrado no rio Maici Mirim, afluente do rio Madeira.
Segundo a Funai, existe um longo histórico de “assédio territorial” por parte de moradores que vivem no entorno da Terra Indígena Pirahã.
A mobilidade dos indígenas, para além dos limites demarcados, acompanha a sazonalidade de recursos nos períodos de seca e de cheia, além da cosmologia pirahã e lugares sagrados, afirmou a Funai.
“Existe uma insatisfação de muitos segmentos ribeirinhos, rurais e indígenas que habitam o entorno da terra Pirahã com os modos próprios de vida e a cultura desse povo, havendo uma grande pressão para que sejam civilizados pela Funai, segundo o modo de funcionamento da sociedade nacional majoritária”, disse o órgão, em nota.
A Funai atua para esclarecer os fatos e para reforçar a segurança na região, cita a nota.
No mesmo dia do homicídio, a PF deu início a uma operação no sul do Amazonas e em Rondônia para destruição de balsas e dragas que operam o garimpo ilegal no rio Madeira. Ao todo, foram destruídas 277 dragas na operação.
Quando há ações desse tipo, são comuns protestos em Humaitá, em razão da atuação de uma grande quantidade de garimpeiros na região. A princípio, a Funai não enxerga relação entre a destruição das dragas e a morte ao sul da terra Pirahã.