SÃO PAULO, SP (FOLHAPESS) – Coordenador nacional do MBL (Movimento Brasil Livre), Renan Santos, 41, vê o bolsonarismo “implodindo”, o que cria uma janela de oportunidade para o Missão, partido de “direita pragmática” que o grupo está criando.
No momento, o TSE analisa as assinaturas apresentadas para que a legenda seja formada, e a expectativa é de oficialização ainda neste ano, a tempo de disputar a eleição de 2026. A nova sigla promete ter candidato a presidente, que deve ser o próprio Renan.
Ele vê a direita traindo Jair Bolsonaro, em razão de seu enfraquecimento político, após o envolvimento na trama golpista. Considera ainda que Lula e a esquerda chegarão fortes para a eleição de 2026, como mostraram os atos deste domingo (21) pelo Brasil.
Renan aprova a condenação do ex-presidente no mérito, mas a rejeita na forma. Apesar de estar “convencidíssimo” de que Bolsonaro tentou dar um golpe, diz que votaria contra a punição se fosse ministro do STF, por enxergar cerceamento de defesa.
À frente de um movimento que se notabilizou por polêmicas desde que surgiu, há 11 anos, Renan diz que precisará se adaptar ao figurino de dirigente partidário, mas sem abandonar totalmente o estilo. “A natureza nossa é questionadora, meio punk rock.”
*
PERGUNTA – Como se situa o Missão ideologicamente?
RENAN SANTOS – A gente está se afastando da ideia do liberalismo inicial do MBL e hoje pode ser enquadrado como um partido no campo da direita altamente pragmático. Nosso programa, que é o Livro Amarelo, em termos econômicos conversa com muita coisa do ponto de vista liberal, mas flerta com desenvolvimentismo também. Não há um dogmatismo nisso.
P – Essas coisas não são contraditórias? Vocês defendem política industrial, por exemplo?
RS – Política industrial no Brasil é xingamento. As pessoas vão logo remeter a Sudene [Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste] e campeões nacionais. Não é o que a gente está propondo. A gente pega as experiências que deram certo, caso de Frentes Pioneiras, Embrapa, crédito subsidiado para o agro. Você tem um empreendedor funcionando, mas uma empresa pública produzindo tecnologia e articulando essas forças. O que a gente não quer é criar o que chamam em inglês de “crony capitalism”, o capitalismo de compadrio mais vagabundo que tem.
P – A política econômica será mais parecida com a do Bolsonaro ou Lula?
RS – Não vou trabalhar com essas definições porque elas limitam. A política do Bolsonaro eram clichês liberais do Paulo Guedes. A lógica do arcabouço do Haddad na prática está permitindo um aumento dos gastos obrigatórios de maneira descontrolada, e isso está indo para um rumo de colapso nos próximos anos.
P – O campo da direita já está congestionado, com PL, PP, Republicanos, União Brasil, Novo, fora partidos pequenos. Como o Missão vai se diferenciar?
RS – Eu não concordo com a definição. O Novo é um partido de direita. Os demais não. Todos serviam de base nos governos do PT, servem até hoje, topam políticas à esquerda. Se a gente for falar de direita, tem que ter minimamente um programa. Eles não têm. São parte de um fenômeno clássico brasileiro que é a política patrimonialista, compadrio, compra de voto.
P – Ou seja, o Missão vai ser o único partido de direita?
RS – Com programa à direita, renovação de quadros, independente, será o único, sim.
P – Já houve várias tentativas de figuras da direita de se descolarem do bolsonarismo e todos fracassaram. É possível haver uma direita não bolsonarista?
RS – É, inclusive estamos num momento em que o bolsonarismo está implodindo, os políticos de direita o traindo. É o Nikolas Ferreira traindo o Bolsonaro de um lado, o Tarcísio procurando o próprio caminho do outro, é o Novo, que era super Bolsonaro, agora procurando o próprio caminho. A nossa diferença é que a gente nunca escondeu as nossas diferenças do bolsonarismo. Eu jamais gostaria de trabalhar com alguém que eu considero mais burro do que eu, como o Bolsonaro.
P – Mas que chegou à Presidência.
RS – São as vicissitudes da democracia, que tem dessas coisas.
P – Como analisa as manifestações da esquerda no domingo?
RS – Por um lado elas ficam revivendo uma linguagem morta, cheirando a naftalina, com Caetano Veloso parecendo uma múmia em cima de um trio elétrico, por outro mostra que eles se aproveitam dos erros de uma direita burra, bolsonarista, que entrega para eles uma perspectiva, ainda que ilusória, de lutar contra a corrupção, que não cola para ninguém, mas que na prática os reposiciona no jogo. Mostra que Lula e as esquerdas vão para uma eleição forte em 2026.
P – Por que pretende ser candidato à Presidência?
RS – É o que o grupo quer. Não era o que eu desejava inicialmente, porque eu queria trabalhar internamente. Mas se o grupo quiser serei com o maior prazer, porque um dos sonhos nossos é chegar ao poder mesmo.
P – Não é dar um passo maior do que a perna, sem alianças, sem estar estruturado em todo o país, sem dinheiro, tempo de TV
RS – Nós já caminhamos a pé até Brasília, então nós vamos dar muitos passos. A gente está disposto a afirmar a tese para uma fração do eleitorado, e se essa fração for suficientemente influente, tentar disputar para ganhar a eleição.
P – Vocês cogitam apoiar um outro candidato?
RS – Zero. Essa hipótese não existe. Assim, 0,00%.
P – E aliança com algum partido que apoie vocês?
RS – Apoiando o nosso programa, nós aceitaríamos.
P – A ideia é lançar candidatos a governador, senador?
RS – A ideia é, em todos os estados possíveis, aparecermos com chapa completa.
P – Como cumprir a cláusula de barreira no ano que vem, que vai ser de 2,5%?
RS – Se o trabalho for bem feito a gente passa a cláusula, mas ela não é a meta. Todos os partidos vão ter que tomar uma série de decisões muito complicadas que envolvem diminuir a sua própria legitimidade. A gente não vai fazer isso.
P – Não fica difícil para um partido sobreviver não tendo feito a cláusula de barreira?
RS – Tem restrições, mas não são totais. Você continua tendo o direito de existir e participar de eleições. Ainda existe o fundo eleitoral, que independe da cláusula de barreira.
P – Fundos eleitoral e partidário vocês pretendem usar?
RS – Sim.
P – Isso é uma mudança com relação ao que defendiam no começo da MBL, não?
RS – A gente estava essencialmente errado, com uma visão lúdica, infantil, em certa medida até antipolítica. Não faria sentido por, inclusive, uma expansão nossa para outros estados, do Norte e Nordeste, onde as pessoas não têm a cultura da doação de dinheiro para fazer campanha. Você pode encontrar excelentes argumentos de que um fundo público, obviamente sem ultrapassar limites em termos de valor, pode ser benéfico para a democracia.
P – Em temas comportamentais, vocês se colocam mais claramente como de direita tradicional? Aborto, por exemplo.
RS – A posição nossa é a manutenção da legislação.
P – E drogas?
RS – A gente já topou discutir a legalização da maconha. Mas hoje a nossa discussão acabou sendo engolida para a questão das facções criminosas, virou uma questão de ocupação territorial. Então acaba sendo enquadrada numa outra discussão que é mais importante para a gente.
P – Como veem o debate sobre Identidade de gênero?
RS – Essa é uma discussão que ficou envenenada por conta de um tipo de militância extremamente tóxica, a militância woke. O percentual de pessoas que se definem como trans é ínfimo na sociedade, mas se torna um tema central porque tudo se torna a base para o divisionismo, para apontar o dedo para atacar que fulano é transfóbico.
P – O MBL surgiu como um movimento ousado, polêmico muitas vezes. Vão levar algo desse comportamento para o partido político ou serão mais comportadinhos?
RS – É muito mais um partido com cara de movimento do que um movimento que virou um partido. A natureza nossa é questionadora, meio punk rock. Isso não significa que a gente não vai se comportar de maneira regimental e séria nas posições eletivas que ocuparmos.
P – Qual sua opinião sobre a condenação de Bolsonaro?
RS – É merecida no mérito. Na forma, é alvo de questionamentos. Eu sei o que o Bolsonaro tentou fazer. Nós estamos denunciando essas práticas desde 2019, as tentativas e a sanha golpista do Bolsonaro em todo o mandato dele. Dito isso, as consequências da criação desse aparato de punição do STF estão sendo vividas pelo Brasil até agora e a gente não pode achar que isso não é anômalo. Então a forma conta.
P – Você está convencido que ele tentou dar um golpe?
RS – Convencidíssimo.
P – A sua crítica à forma é qual?
RS – A supressão de elementos de direitos de defesa, os prazos que foram dados. Na questão ligada aos presos do dia 8 de janeiro, a gente vai ver outros absurdos ainda maiores. Eu como cidadão acho que o Bolsonaro merece ser punido por aquilo que ele tentou fazer. Mas se eu fosse ministro do Supremo, não conseguiria achar naturais as rupturas à forma
P – Isso não pode ser visto como uma defesa do Bolsonaro?
RS – De forma alguma, a gente sempre pediu a prisão do Bolsonaro. A gente denunciou tudo isso, em todo o processo. Eu não estou fazendo nenhum aceno aos bolsonaristas, não estou pedindo voto para eles, nem faço questão. Esses caras, inclusive, não gostam da gente.
P – Qual a posição sobre a anistia? Como votará o Kim Kataguiri (União Brasil-SP), deputado do movimento?
RS – Os cabeças da trama golpista têm que ser presos e punidos. Os presos do dia 8 [de Janeiro] têm que ter penas reduzidas, devem ter direito a julgamentos mais justos. Tem gente lá que, de fato, nem sequer deveria estar presa, tem algumas coisas absurdas acontecendo nesse processo. Essas pessoas foram bucha de canhão, mas alguma punição tem que ter.
P – E anistia para o Bolsonaro?
RS – Não vejo o Kim defendendo isso.
P – Vocês têm uma crítica muito forte ao centrão, mas até pouco tempo atrás, tinham o cargo de vice-liderança no governo Tarcísio na Assembleia. E têm uma relação com o prefeito Ricardo Nunes, após terem sido críticos no passado. Controlam a subprefeitura da Vila Mariana. Não é contraditório?
RS – A gente não tem problema em participação em espaços de gestão, desde que a gente possa executar as políticas públicas em que acredita. E condicionadas a bons resultados. O Guto [Zacarias], quando foi vice-líder do governo Tarcísio, queria tocar a pauta da privatização da Sabesp. O nosso subprefeito está lá focado em ter os melhores indicadores. A gente critica o centrão não pela participação em governos, mas porque essa participação é um fim em si mesmo.
*
RENAN SANTOS, 41 | Nascido em São Paulo, o empresário é coordenador nacional do MBL (Movimento Brasil Livre) e presidente do Missão, partido ligado ao movimento. Estudou direito na Universidade de São Paulo, sem concluir o curso.