BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) baixou uma norma que abre caminho para a Caixa Econômica Federal antecipar um valor maior de PLR (participação nos lucros e resultados) a seus funcionários em 2025.

A medida vai permitir que o banco retire da base de cálculo da PLR os efeitos de uma resolução do Banco Central cuja implementação integral neste ano reduziu o lucro da instituição.

Para a conta de dividendos pagos à União, no entanto, o impacto negativo da resolução deve ser levado em consideração. Na prática, segundo pessoas com conhecimento do tema, a Caixa pode desembolsar mais com o bônus dos funcionários do que com os dividendos repassados a seu acionista controlador.

Nos últimos anos, o banco já vinha destinando à PLR um valor equivalente a entre 70% e 75% da soma de dividendos pagos à União, embora as normas prevejam um limite de até 25% -num indicativo de que a instituição já vinha recorrendo a exceções para ampliar o bônus a seus funcionários. Agora, porém, essa relação pode passar dos 100%.

Procurada na quinta-feira (18), a Caixa não informou os valores da antecipação da PLR e dos dividendos, apesar de ter pedido duas prorrogações de prazo para a resposta e ter sido atendida em ambas as ocasiões.

De forma protocolar, o banco disse nesta segunda-feira (22) que o pagamento da PLR segue parâmetros previstos em acordos coletivos e que os dividendos a serem repassados à União observam o mínimo obrigatório de 25% do lucro líquido ajustado.

Após a resposta oficial do banco, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, informou em entrevista coletiva sobre as projeções do Orçamento de 2025 que a Caixa vai pagar mais R$ 1 bilhão em dividendos à União neste ano. O dinheiro deve ajudar a repor parte das receitas frustradas em decorrência da desaceleração da economia.

Segundo um interlocutor do banco, o valor extra reflete a possibilidade de a Caixa antecipar para este ano o pagamento de 25% de dividendos sobre o lucro observado no primeiro semestre (R$ 9,8 bilhões). O valor seria repassado apenas em 2026.

A norma editada pelo governo para flexibilizar a PLR é uma portaria conjunta assinada pelos ministros Rui Costa (Casa Civil), Esther Dweck (Gestão) e Fernando Haddad (Fazenda) e publicada no Diário Oficial da União de 17 de setembro.

A publicação fixa o novo regimento interno da CGPar (Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União), colegiado responsável pela aprovação de diretrizes e estratégias relativas à governança de empresas estatais federais.

Ao fazer isso, o governo introduziu um novo artigo que atribui à autoridade máxima do MGI (Ministério da Gestão e Inovação) a competência para “deliberar sobre pleitos de excepcionalidade” à resolução que fixa as diretrizes para pagamento de PLR nas empresas estatais. Outro dispositivo permite que a competência seja delegada ao titular da secretaria-executiva da pasta.

O texto é amplo e não discrimina que tipo de excepcionalidade poderia ser pleiteado pelas companhias. Segundo um dos técnicos ouvidos pela reportagem, embora o pano de fundo tenha sido a Caixa, a mudança abre brecha para outras flexibilizações nas demais companhias -muitas das quais já pagam bônus significativos.

Procurado, o MGI confirmou que a Caixa “fez uma solicitação que foi autorizada”, mas não deu mais detalhes da motivação e dos valores envolvidos.

Segundo a pasta, as informações referentes a manifestações sobre programas de PLR ficam públicas no mês de junho do exercício seguinte ao que motivou o pagamento do bônus. “No caso do PLR 2025, elas serão tornadas públicas em julho de 2026”, disse.

Sobre a portaria, o MGI disse que um decreto de 2001 já permitia que o então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão -desmembrado na atual gestão de Lula- deliberasse sobre exceções às disposições da resolução sobre PLR. No entanto, além de o decreto ter sido revogado em 2024, sua redação era mais genérica, permitindo a análise de exceções em relação a normas em geral, sem vincular os pedidos ao tema do bônus dos funcionários

“Destaca-se que os pedidos encaminhados pelas empresas contam com deliberação da direção e do conselho de administração, bem como manifestação do ministério supervisor, que, no caso da Caixa, é o Ministério da Fazenda”, disse a Gestão.

O Ministério da Fazenda não respondeu aos questionamentos da reportagem. A Casa Civil, que também assina a portaria, não se manifestou.

Segundo interlocutores ouvidos pela reportagem, o pedido feito pela Caixa tem relação com os impactos da resolução 4.966, aprovada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em 2021.

A norma prevê maior rigor nos procedimentos contábeis adotados por instituições financeiras, sobretudo na avaliação de riscos e no reconhecimento de perdas. De forma simplificada, os bancos precisarão fazer provisões para perdas esperadas, não só as já ocorridas, seguindo padrões internacionais.

Dado o impacto potencial nos ativos e no resultado das instituições, a resolução fixou um prazo para sua implementação, iniciada efetivamente em 1º de janeiro de 2025. No balanço do primeiro trimestre, publicado em junho, a Caixa indicou que a aplicação da norma teve um impacto negativo de R$ 4,1 bilhões no patrimônio líquido do banco no início de 2025.

Segundo os técnicos ouvidos pela reportagem, o pleito da Caixa foi desconsiderar os efeitos da resolução no cálculo da PLR. Em outras palavras, é como se o lucro do banco fosse maior do que o efetivamente apresentado no balanço na hora de estimar o bônus dos empregados. A lógica, porém, não valerá para a conta dos dividendos.

Nas conversas com o MGI, a Caixa argumentou que a medida era necessária para não desmotivar funcionários.

Até o início deste ano, o banco pagou R$ 2 bilhões em bônus aos empregados sobre o lucro obtido em 2024. Os valores integrais ficaram entre R$ 10,7 mil e R$ 38,5 mil, com média de R$ 24 mil. Em dividendos, a instituição repassou R$ 2,69 bilhões, de acordo com as informações declaradas ao MGI.