SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A combinação de fraudes no ICMS, quedas mensais de arrecadação e críticas por falta de controle de isenções fiscais criou um quadro de alerta entre aliados do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre as finanças de São Paulo na reta final do ano pré-eleitoral.
Deputados da base se queixam da falta de informações sobre as contas públicas e relacionam o caixa fraco à demora na liberação de recursos para convênios e emendas parlamentares. As críticas, porém, não partem apenas de membros do Legislativo.
O cenário pressiona a Secretaria da Fazenda e Planejamento, comandada pelo economista Samuel Kinoshita, integrante da cota pessoal de Tarcísio no governo. Auxiliares do governador relatam falta de canais de diálogo com a pasta.
O governo, em nota, afirma que, no acumulado de janeiro a agosto, a arrecadação apresenta alta real de 0,6% em relação ao mesmo período de 2024. Diz também que reforçou o sistema de controle após o escândalo do ICMS e que o TCE (Tribunal de Contas do Estado) reconheceu avanços na governança das isenções fiscais.
Os relatórios oficiais, contudo, mostram que em maio, junho, julho e agosto a receita tributária total (que inclui ICMS, IPVA, ITCMD, taxas e outras receitas) foi menor do que a registrada nos mesmos meses de 2024.
Em agosto, a redução comparativa foi de 4,5%, queda mais forte até aqui. A arrecadação nesse mês foi de R$ 21,5 bilhões, e o acumulado do ano foi de R$ 190,8 bilhões. O PIB paulista, nos últimos 12 meses, registrou alta de 2,5%.
O quadro ocorre paralelamente à apuração do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) sobre corrupção para concessão de créditos de ICMS, também na Fazenda. O esquema envolvia fiscais que cobravam propina para liberar créditos tributários a empresas. As companhias usam esses créditos para abater seus impostos devidos.
Na última segunda-feira (15), a Justiça homologou três acordos de não persecução penal com dirigentes da Fast Shop, uma das investigadas. O termo de confissão de um deles, o diretor Mario Otávio Gomes, indicou que o esquema funcionou de 2021 a 2025 e deu novas dimensões ao potencial prejuízo público.
Em sua confissão, obtida pela Folha de S.Paulo, Gomes revelou que a Fast Shop recebeu R$ 1,5 bilhão no período por meio do esquema. Entretanto, desse total, pouco mais de R$ 1 bilhão não vinha de sua própria cadeia “visível”, resultado de ações da própria empresa.
O ponto central, segundo dois investigadores ouvidos sob reserva, é que o sistema de créditos tributários é tão complexo que não há certeza se esse valor havia sido pago em outra etapa da cadeia produtiva ou se foi criado por fraude.
Eles foram informados que a Fazenda deve demorar meses até recalcular os impostos pagos e os créditos da empresa -o que trava o avanço da investigação e o mapeamento real do prejuízo causado ao estado.
A reportagem perguntou à Fazenda por que não está claro ainda o tamanho exato do prejuízo. O governo não respondeu. Disse em nota que, por terem sido emitidos a partir de 2021, os valores são anteriores à gestão Tarcísio e não afetam a arrecadação corrente.
Segundo a nota enviada, a secretaria reforçou o sistema eletrônico de ressarcimento e passou a fiscalizar 3.404 lançamentos de 2.239 contribuintes. Informou ainda a abertura de nove processos disciplinares, 22 apurações preliminares e o afastamento de seis servidores. A operação, diz o texto, inaugura um plano de fiscalização que vai de setembro de 2025 a fevereiro de 2026, com foco na auditoria e no monitoramento da evolução patrimonial de servidores.
A operação do MP-SP contra o esquema foi deflagrada em 12 de agosto. Algumas semanas antes, o TCE já havia indicado outro problema na Fazenda paulista, mas relacionado a isenções fiscais (impostos que o governo opta por não receber para estimular alguns setores da economia).
As contas de 2024 de Tarcísio foram aprovadas no fim de junho, mas o órgão de controle apontou 11 ressalvas. Um relatório que baseou a análise das contas, obtido pela Folha de S.Paulo, detalha os problemas que precisam de solução.
Os técnicos registraram falhas como falta de precisão nas projeções de renúncia, retrocesso em relação a anos anteriores e concessão de benefícios sem lei específica. Esses casos foram classificados como ilegais e em violação a princípios de transparência. As projeções questionadas indicaram que, no ano passado, as renúncias chegaram a R$ 60 bilhões.
O documento também apontou indícios de “fruição indevida de benefícios” -quando empresas obtêm isenção de forma irregular- e destacou registros inconsistentes que superestimaram valores. Além disso, alertou para a concentração de incentivos em poucas companhias, inclusive devedoras do estado, o que comprometeria a isonomia e a integridade da política fiscal.
Sobre as críticas do TCE, o governo reiterou que o órgão reconheceu avanços em governança, transparência e revisão da concessão de benefícios. Afirmou ainda que as medidas que a pasta adota seguem o rito previsto em lei estadual, já declarado constitucional pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e pelo STF (Supremo Tribunal Federal).