KIEV, UCRÂNIA (FOLHAPRESS) – Em uma sexta-feira estranhamente calma na capital ucraniana, sem as constantes sirenes de alerta de ataque aéreo, o presidente Volodimir Zelenski aproveitou para fazer uma piada. “Toda vez que o general Kellogg está aqui [Keith Kellogg, enviado especial de Donald Trump para a Ucrânia], os moradores de Kiev finalmente conseguem dormir”, disse durante participação na conferência Yalta European Strategy, prestigiado evento anual promovido pelo bilionário ucraniano Viktor Pinchuk que reúne autoridades estrangeiras e ucranianas, ex-chefes de Estado, analistas e militares.

O líder ucraniano lembrou que os ataques com mísseis e drones da Rússia não param quando vêm à cidade autoridades de outros países. “Já que você é uma defesa aérea, general, gostaríamos que viajasse para todas as cidades da Ucrânia”, gracejou Zelenski com o enviado de Trump, que participou do evento no subsolo de um hotel de luxo em Kiev, sob várias medidas de segurança.

Está cada vez mais claro, porém, que o poder de dissuasão dos Estados Unidos sobre a Rússia é apenas momentâneo. Apesar das seguidas ameaças de sanções de Trump, Moscou vem ampliando de forma vertiginosa a ofensiva nos últimos meses.

Os ataques com drones passaram de 800, em agosto de 2024, para 6.300 em julho de 2025, segundo o Monitor da Guerra Aérea, relatório da Kyiv Dialogue e da fundação Konrad Adenauer. Frequentemente, há noites com mais de cem ataques com mísseis e drones russos.

Em agosto, foram registrados 4.207 ataques de drones, o menor número desde abril. Foi um respiro passageiro -após a cúpula no Alasca, em agosto, na qual o presidente russo, Vladimir Putin, reuniu-se com Trump, a Rússia passou a fazer cerca de 90 ataques por dia durante três semanas. A média já voltou a mais de 200 por noite.

O principal motivo para a escalada de ataques é o aumento da produção de drones na Rússia, notadamente o Geran-2, versão do Shahed iraniano. O aperfeiçoamento dos armamentos russos, que agora conseguem driblar mais facilmente os sistemas ucranianos de interferência em sinais de GPS e rádio, reduziu a eficácia da defesa aérea de Kiev. A taxa de interceptação caiu de 98% em fevereiro para 84% em agosto.

Moscou também está fazendo mais ataques diurnos a alvos civis -na quarta-feira (17), atingiu uma universidade no centro da cidade de Kharkiv. Com isso, o número de vítimas não militares cresceu de forma significativa: 6.754 foram mortos ou feridos apenas no primeiro semestre de 2025.

Apesar do cenário preocupante, a maioria dos palestrantes mantinha um tom otimista na conferência, intitulada “Como acabar com a guerra”, exaltando as virtudes das Forças Armadas ucranianas e seus avanços tecnológicos.

Havia vozes dissonantes, porém. “A Rússia não está perdendo a Guerra na Ucrânia porque é apoiada pela China, a maior potência industrial do mundo”, disse o historiador Niall Ferguson, um dos poucos presentes abertamente pessimistas. Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, os chineses ajudam os russos a driblar as sanções internacionais ao fornecerem componentes eletrônicos para fabricação de armamentos e drones. Pequim nega.

Os chineses também são grandes compradores de petróleo da Rússia, ao lado dos indianos (e dos europeus, indiretamente por meio da Índia). Segundo Ferguson, o regime de sanções contra a Rússia fracassou completamente, e a economia do país está saudável.

Já a Ucrânia, na visão dele, perdeu o apoio real da potência que a ancorava. “Os EUA não estão mais ajudando a Ucrânia, as entregas de armas agora só com pagamento”, disse Ferguson. “A pergunta urgente é: como a União Europeia vai conseguir substituir a ajuda cortada pelos EUA?”

A presidente do comitê de orçamento do Parlamento da Ucrânia, Roksolana Pidlasa, disse que o país gasta US$ 172 milhões por dia com a guerra -eram US$ 140 milhões diários um ano atrás.

Segundo ela, o montante cobre os salários dos militares, munições e armamentos, além de apoio financeiro para soldados feridos e famílias de combatentes mortos. O ministro da Defesa, Denis Chmihal, afirmou que Kiev precisará de cerca de US$ 120 bilhões (R$ 640 bilhões) para gastos militares no ano que vem. Resta saber se a UE preencherá as lacunas deixadas pelos EUA.