BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta segunda-feira (22) o congelamento de mais R$ 1,4 bilhão em gastos do Orçamento de 2025 para compensar o aumento de despesas obrigatórias e cumprir o limite do arcabouço fiscal.

O valor se soma a outros R$ 10,7 bilhões que já haviam sido bloqueados nas avaliações anteriores. Diante da necessidade de esforço extra, o total indisponível para os ministérios chegou a R$ 12,1 bilhões.

Apesar do aperto nas despesas, o principal foco de preocupação da equipe econômica neste momento é a trajetória da arrecadação, que começa a exibir sinais mais evidentes dos impactos negativos da política de juros do Banco Central, cujo objetivo é esfriar a atividade econômica para controlar a inflação.

“Nossa preocupação em relação à receita é grande. Isso pode alterar as projeções com as quais a gente vem contando”, disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan. Ele ressaltou, no entanto, que isso não muda as metas fiscais a serem perseguidas pelo governo. “Apesar de a gente ficar atento à desaceleração, em especial com o que atinge a receita, não haverá mudança. Os planos estão dados.”

O secretário evitou responder diretamente se as decisões do BC sobre juros ameaçam o cumprimento da meta fiscal deste ano, mas classificou o status atual da política monetária como “bastante restritiva” e afirmou que o governo se preocupa com a “dose do remédio”.

Nesse contexto, o secretário fez um apelo para que o Congresso aprove duas propostas consideradas necessárias para fechar as contas de 2025 e 2026: a MP (medida provisória) de aumento de impostos e o projeto de lei que corta benefícios fiscais. “Há necessidade de se manter em alerta e engajado com o Congresso Nacional para que a gente siga cumprindo nossa agenda”, afirmou.

No relatório de avaliação do Orçamento, o governo apontou uma piora de R$ 1,9 bilhão na receita líquida esperada em 2025. Segundo os números oficiais, a deterioração veio principalmente das receitas administradas pela Receita Federal (como impostos e contribuições), cuja estimativa caiu R$ 12 bilhões, na esteira da atividade menos pujante.

O impacto nas contas só não foi maior porque o governo recorreu a dividendos de estatais para preencher o buraco. A estratégia estava no radar desde o meio do ano, como mostrou a Folha de S.Paulo.

O aumento de receitas com dividendos foi de R$ 6,9 bilhões, sendo a maior parte (R$ 5,9 bilhões) oriunda do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A Caixa Econômica Federal vai contribuir com outro R$ 1 bilhão, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.

Embora o governo Lula seja crítico contumaz dos dividendos extraordinários recolhidos pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022, em cima dos lucros da Petrobras, Durigan defendeu a estratégia atual.

“Não tem nenhum problema em usar dividendo de banco para ajudar na política fiscal, se fizer isso dentro de um plano plurianual e de forma programada. É diferente de 2022”, disse. “Se for preciso, vamos usar dividendos de empresas públicas que têm bons resultados para ajudar na política fiscal.”

O aumento de R$ 5,7 bilhões na previsão de arrecadação com royalties e participações especiais de petróleo também ajudará o governo a cobrir a perda de receitas neste momento, embora haja preocupação com eventuais impactos de desaceleração adicional da economia.

A postura da equipe econômica contrasta com o clima de otimismo transmitido no relatório do terceiro bimestre, divulgado em julho, quando o governo elevou a projeção de receitas e liberou todos os R$ 20,6 bilhões que antes estavam contingenciados para cumprir a meta.

O Executivo fará uma nova reavaliação do Orçamento em novembro. Caso a perda de receitas se agrave, a equipe econômica pode adotar um novo contingenciamento, que nada mais é do que um congelamento adicional de despesas para compensar a frustração na arrecadação.

Hoje, não há contingenciamento em vigor. O bloqueio que existe é um mecanismo distinto, concebido para compensar aumento em outras despesas.

A previsão de déficit está em R$ 30,2 bilhões, dentro da meta fiscal, que é zero, mas cuja margem de tolerância permite resultado negativo de até R$ 31 bilhões. Nessa comparação, o resultado estimado representa uma piora em relação à última avaliação bimestral, feita em julho, quando o déficit que conta para a meta fiscal era calculado em R$ 26,3 bilhões.

Esse recorte, no entanto, desconsidera R$ 43,3 bilhões em gastos que ficarão fora da meta fiscal, como parte das sentenças judiciais e as devoluções de descontos indevidos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Com isso, o rombo total neste ano deve ficar em R$ 73,5 bilhões. Nessa comparação, o valor é menor do que o déficit total de R$ 74,9 bilhões previsto em julho. Ainda assim, contribui para elevar a dívida pública do país.

Pelo lado das despesas, o principal fator de pressão veio do BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, cuja previsão de gastos subiu R$ 2,9 bilhões. O aumento no número de concessões da política tem sido fator de constante preocupação dentro do governo.

Houve ainda aumento de R$ 1,9 bilhão com despesas obrigatórias com controle de fluxo (o que inclui algumas rubricas da saúde) e de R$ 1,2 bilhão na previsão de gastos com abono salarial e seguro-desemprego. Outro R$ 1 bilhão extra foi incluído nos repasses a estados e municípios por meio da Lei Aldir Blanc de incentivo à cultura.

Por outro lado, o alívio em outras despesas obrigatórias ajudou a amortecer esses efeitos. Foi o caso da queda de R$ 3 bilhões na estimativa de despesas com benefícios previdenciários, puxada principalmente pelo menor volume de sentenças judiciais, já que o gasto com benefícios regulares aumentou.

Também houve redução de R$ 1,3 bilhão na previsão de gastos com pessoal e de R$ 0,7 bilhão nos subsídios.

O congelamento de despesas recai sobre os gastos discricionários, que incluem despesas de custeio da máquina (como contratos terceirizados, conta de luz) e investimentos públicos (como obras e aquisição de máquinas e equipamentos). O detalhamento do esforço exigido de cada ministério será publicado em decreto no fim do mês.

No fim de março, o presidente Lula editou um decreto para segurar as despesas de forma preventiva, devido ao atraso na votação do Orçamento de 2025. Na prática, portanto, os ministérios já vinham executando seus gastos mais lentamente.

Na época, o Ministério do Planejamento afirmou que a medida ajudaria a criar uma espécie de poupança para futuros bloqueios. A indicação da equipe econômica é que esse instrumento continuará em uso até o fim do ano.

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO

O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).

Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.

Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.

Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.

COMO FUNCIONA O BLOQUEIO

O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de saúde e educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).

Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio proporcional nas discricionárias para honrar todas as obrigações sem descumprir o limite global de gastos.

COMO FUNCIONA O CONTINGENCIAMENTO

O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas, com margem de tolerância de 0,25% do PIB para mais ou menos.

Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.

PODE HAVER SITUAÇÃO DE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO JUNTOS?

Sim. É possível que, numa situação de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias é a soma dos dois valores.