SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A obesidade tem agora uma diretriz brasileira inédita, focada especificamente no seu tratamento como forma de prevenir doenças cardiovasculares. A doença crônica é considerada um dos principais determinantes de problemas no coração e metabolismo, segundo as entidades de saúde responsáveis pelo documento.
A diretriz, divulgado na última sexta-feira (19), foi elaborado em conjunto por cinco sociedades médicas -entre elas a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade) e a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia).
O autor principal José Francisco Kerr Saraiva, assessor científico da SOCESP (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo), explica que a ideia era criar “um documento que converse com o clínico geral, médico de família, o geriatra, o ginecologista e não somente com o endócrino e o cardiologista”.
O documento propõe que todos os adultos com sobrepeso ou obesidade tenham seu risco cardiovascular avaliado de maneira padronizada.
Marcello Bertoluci, coordenador do Departamento de Cardiometabolismo da ABESO e também autor, explica que essa mudança amplia a precisão do cuidado. “O principal motivo do surgimento dessa diretriz é o advento de novas medicações que podem reduzir o risco cardiovascular em pessoas com obesidade, especialmente os agonistas do GLP-1 e agora também os agonistas duais como a tirzepatida”.
MUDANÇA NA AVALIAÇÃO DE RISCO
A prática clínica usava principalmente o índice de massa corporal (IMC) nas avaliações. A orientação agora é que o risco seja medido também pelo escore Prevent (sigla que vem do inglês “predicting risk of cardiovascular disease events”, na tradução para o português “predição do risco de eventos cardiovasculares”) da American Heart Association, ferramenta internacional que calcula a probabilidade de infarto, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca em dez anos.
O especialista cita que o foco deve ser na saúde do coração, e não apenas no peso. Um paciente pode ter obesidade sem apresentar outros fatores de risco, enquanto outro com apenas sobrepeso, mas com comorbidades associadas, pode estar em alto risco.
Kerr Saraiva ressalta que a diretriz “vem atender uma necessidade da população brasileira, uma necessidade não atendida”, já que a obesidade é o fator de risco mais prevalente no país, “mais que diabetes, mais que hipertensão, mais do que hipercolesterolemia”. Ele critica a banalização da condição e defende campanhas públicas para conscientizar a população.
NOVOS MEDICAMENTOS
Bertoluci explica também que existem novas evidências científicas que mostram que a perda de peso está associada à redução de fatores de risco e eventos cardiovasculares a longo prazo em quem perde mais de 10% do peso.
A diretriz também estabelece metas sobre a perda de peso. A redução de 5% já é suficiente para melhorar pressão arterial e perfil lipídico, retardando o surgimento do diabetes. Para quem tem risco moderado ou alto, a recomendação é buscar uma redução de 10% ou mais, o que está associado à queda de eventos cardiovasculares no longo prazo.
O documento aborda a incorporação de novos medicamentos para obesidade, como a semaglutida e a tirzepatida, que não apenas promovem perda de peso expressiva, mas também mostraram impacto direto em desfechos cardíacos.
No entanto, José Francisco Kerr Saraiva afirma que esses tratamentos são acessíveis para cerca de 15% da população brasileira, o que coloca em evidência um abismo de acesso. Diante dessa disparidade, a expectativa é que a diretriz democratize e amplie o acesso a tais medicamentos à população que utiliza SUS (Sistema Único de Saúde).
“Minha esperança é sensibilizar o governo não apenas para aprovar medicamentos, mas, principalmente, para criar campanhas eficazes de promoção da saúde. Isso começa na escola, que deve ser um ambiente de incentivo à vida saudável, e não um local que sirva comida de alto teor calórico”, completa.