SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Comparado com outros países da América Latina, o Brasil apresenta maior percepção de que informações divulgadas sobre eleições e política são falsas, segundo estudo que analisou 19 países da região.

O cenário indica uma população desconfiada da informação que consome, o que pode ser propício para acirrar a polarização em uma sociedade na qual tem sido cada vez mais difícil sair da bolha, avaliam pesquisadoras.

A conclusão parte de dados levantados pela pesquisa “Vetores e implicações da desordem informacional da América Latina”, divulgada pelo InternetLab e pela Rede Conhecimento Social nesta segunda-feira (22).

O estudo não limita o conceito de “notícia” a informações produzidas pela imprensa profissional. Com isso, o termo pode se referir a qualquer tipo de informação disponível nas mídias (TV, rádio, redes sociais, aplicativos de mensagens ou sites) utilizadas pelos entrevistados para se informar.

O levantamento analisou 19 países da região divididos em cinco agrupamentos: México, América Central, Andes/Amazônia, Brasil e Cone Sul.

De 5 a 14 de julho de 2024, pesquisadores coletaram via questionário online a percepção de maiores de 16 anos com acesso à internet e uso ativo de redes sociais sobre temas ligados à desinformação.

O estudo é representativo das cinco regiões para a população com acesso à internet. A margem de erro é de 3 pontos percentuais sobre o total da amostra, com intervalo de confiança de 95%.

Houve também fase qualitativa, com seis grupos de discussão, com 5 ou 6 pessoas, e 13 entrevistas individuais em profundidade.

Segundo o levantamento, 37% dos respondentes brasileiros acham que tudo ou quase tudo sobre eleições são informações falsas ou desinformação, contra 30% registrado para toda a América Latina.

O tema é o que mais gera desconfiança nas pessoas entre os assuntos abordados pela pesquisa, que também avaliou a percepção dos respondentes em nichos como a vida de celebridades, segurança e saúde pública.

Quando o assunto é política no geral, 27% dos brasileiros têm a percepção de que tudo é falso. O valor para a totalidade de países é de 21%.

Segundo Heloisa Massaro, diretora de pesquisa do InternetLab e uma das autoras do estudo, a desconfiança é maior entre brasileiros provavelmente porque o país está envolto na discussão sobre fake news desde um pouco antes que outras regiões da América Latina.

O valor é alto, entretanto, também no conjunto dos países estudados. Análise de toda a região aponta que 51% dos respondentes acham que bastante do que circula sobre eleições não é confiável. Apenas 11% dizem que nada ou quase nada é desinformação ou falso. 8% não souberam responder.

Quando o assunto é política, 65% acham que bastante informação é falsa e 9%, nada ou quase nada.

O levantamento também apontou que, imersos nesse cenário de desconfiança, as pessoas tendem a checar a informação que recebem.

Por um lado, a verificação é positiva ao indicar que os usuários estão cientes de que nem tudo que circula nas redes é verdade. Por outro, pode apontar para horizonte preocupante, uma vez que a maneira como é feita a checagem nem sempre resulta em apuração correta ao se misturar com o viés do usuário.

Segundo Massaro, a forma de verificação varia, com 15% dos brasileiros dizendo que eles mesmos são as pessoas mais confiáveis para falar sobre política. Também tem destaque a confiança na família e nos amigos.

Comparado com os outros quatro agrupamentos e com o resultado de toda a América Latina, o Brasil se destaca por dar mais credibilidade a essas pessoas como as fontes mais confiáveis.

Com isso, o processo de checagem pode se dar de forma a confirmar as próprias percepções, a despeito da factualidade dos dados.

“Se, de um lado, criou-se essa ética de verificar a informação, a forma dessa verificação tem nos preocupado bastante. Ela pode ser, em alguns casos, entender como amigos se posicionam em relação ao assunto, fazendo de familiares e do próprio usuário as pessoas de referência”, afirma Marisa Villi, diretora-executiva da Rede Conhecimento Social.

O comportamento reforça bolhas de comunicação e a tendência entre usuários de criarem seus próprios ecossistemas informacionais, o que pode acentuar processos de polarização, diz Villi.

“O efeito disso para um período de eleição, por exemplo, é que você dificilmente consegue colocar diferentes bolhas para conversarem entre elas.”

Nesse cenário de alta desconfiança, 4 a cada 10 pessoas na América Latina defendem alguma forma de regulação das plataformas.

Aqueles que se dizem de esquerda são os que mais defendem totalmente algum tipo de regulação, segundo o estudo. Já os de direita são os que mais falam em risco para a liberdade de expressão com a possibilidade de bloqueio de conteúdos.

Indivíduos de centro são os mais ponderados “em relação aos diferentes tipos de regulação das plataformas, sendo que mais da metade deles defende de alguma forma a regulação por lei”, aponta a pesquisa.